O Brasil é o maior país “negro” fora do continente africano, ficando atrás no ranking mundial apenas da Nigéria, na África. Temos portanto, um elo considerável com o continente africano, elo esse que obteve ligação em meados do século XVI com a vinda de escravos negros trazidos em navios negreiros através do Oceano Atlântico pelos europeus. Nos perguntamos hoje por que os “conquistadores” realizavam tamanha truculência a resposta logo aparece: pelo simples fato do conceito eurocêntrico de cidadania e civilidade da época, onde excluíam as sociedades não brancas e não européias, interpretando-as como aculturadas, ou seja, sem cultura. Sendo assim, as “bárbaras” etnias africanas estavam fadadas em servir aos “civilizados” portugueses, sem qualquer direito nem respeito, apenas dever. Segundo a aristocracia (isto inclui a igreja católica da época) européia, o negro não tinha alma, pois não era cristão! Sem “alma” o africano era considerado um “animal”, tendo em vista que só quem possuía a possível “alma” era os cristãos, sendo assim, os negros não possuíam alma, então eram animais, estando os negros no “estado” de animal, então deveriam ser tratado como tal. Não mereciam nenhuma consideração nem direito social de cidadão, eram vistos (pela classe dominante) como simples mercadorias de troca ou ferramenta de trabalho braçal.
Durante muito tempo pouco se foi feito para que este quadro mudasse, só após a chamada Revolução Industrial (meados do século XVIII) é que se viu a necessidade de trocar a mão de obra escrava pela mão de obra remunerada, tendo em vista que o escravo não dispondo de salário consequentemente não tinha capital para gastar com os produtos “industrializados” que chegavam aos portos das terras “Tupiniquins”. Entretanto, até chegar à lei de abolição da escravatura, o Brasil passou por um longo processo e implementações de leis, a exemplo das principais:
- Lei Nº 3270, mas conhecida como a lei do Sexagenário (28/09/1985), onde escravos com mais de sessenta (60) anos obtinham sua liberdade por decreto, lei paradoxa, tendo em vista que a estimativa média de vida escrava era de 25 a 30 anos, ou seja, era quase impossível o escravo ou escrava sobreviver por todo esse tempo e se sobrevivesse, para onde iria? Como viveria? Aonde e em que trabalharia?
- Lei Nº 2040, também conhecida como “Ventre Livre” ou lei Rio Branco (28/09/1871), tal lei garantia que a criança nascida em cativeiro ao completar vinte e um (21) anos, obtinha sua liberdade por direito (diante o pagamento de indenização da coroa para o senhor), mas para onde iria se suas raízes estavam todas no engenho? Como viveria sem nenhum auxilio? Na maioria dos casos, os “livres” permaneciam no engenho ou fazenda e ali terminava seus dias com o destino igual ao de seus pais, na labuta.
- Lei do Trafico (07/11/1831), a partir da citada data, fica proibido o oficio de trafico negreiro, sob pena de apreensão da “carga” e prisão dos contrabandistas, os guardas da coroa tinham o dever de “abater” navios que estivesse transportando escravos vindo da África. Essa lei gerou problemas, pois nem foi executada como deveria e também não levava em consideração as vidas escravas que por sinal estavam aprisionadas nos escuros, sujos e úmidos porões, acarretando assim a perda de inúmeras vidas.
Algum tempo depois, por pressão da Inglaterra, o Brasil é obrigado a assinar (através da princesa Isabel) a lei Áurea (13/05/1888), a citada lei abolia de vez a escravidão nas terras “Brasilis” sem qualquer tipo de indenização, seja para os proprietários ou para os ex-escravos. Com a abolição da escravidão veio mais um problema sério. Os ex-escravos ganharam a “liberdade”, porém não ganharam mais nada além da simbologia da quebra de seus grilhões. Não foram contemplados com terras nem gado para sua subsistência. Ficaram ao “Deus dará”, sem rumo, a saída foi se amontoar nos morros ou em comunidades quilombolas. Muitos não sabiam outro oficio além do corte da cana ou trabalho mucamo (domestico). Sem saber outro oficio nem dispor de capital nem terras, muitos negros libertos resolveram ficar em seus engenhos e os que ficaram ganharam míseros salários por seus trabalhos prestados. Com o tempo a situação veio a piorar, pois a coroa lança uma política de embraquecimento, trazendo imigrantes italianos e japoneses para trabalhar nas fazendas de café, como incentivo o governo da época ofertava terras e subsídios aos imigrantes europeus para o cultivo do café. Neste período a economia do açúcar se encontrava em processo de decadência, dando lugar à outra monocultura, a cafeeira no Sul (Sudeste) e algodoeira no Norte (Nordeste). Mas uma vez, os negros são marginalizados na história política, econômica e social do país.
Para mudar tal quadro, passaram-se praticamente mais de quinhentos anos. Foi a partir de 2003 com a lei 10.639 que o estado brasileiro através do governo Lula, deu a importância devida as nossas raízes afro, a referida lei torna obrigatório o estudo das culturas africanas e afro-brasileiras em escolas publicas. A lei 11.645 em 2008 acrescentou também o ensino das culturas e costumes indígenas. Porém estas leis ainda não entraram em vigor de fato, por enquanto estão só no papel, falta uma maior fiscalização e uma melhor formação dos profissionais docentes, tornando-os mais capacitados para exercer tal função. Entretanto, há avanços nesta área, algumas escolas modelos estão conseguindo cumprir a lei. O que vejo com bons olhos.
É baseado nesta perspectiva que resolvemos pesquisar sobre as permanências e as mudanças das tradições Afro, dando um enfoque no campo cultural, assim como também religioso, traduzido nos signos do centenário cortejo musico - teatral Maracatu de Baque Virado, mais conhecido como Maracatu Nação. Como embasamento teórico, usaremos alguns conceitos dos chamados Estudos Culturais (Cultural Studies), dentre eles trabalharemos com a linha Etnomusicologica, tal corrente se baseia no estudo da musica em seu contexto sócio cultural, tendo em vista que para estudarmos o tema decorrido, achamos ser esta abordagem melhor a se encaixar na problemática aqui exposta. Vale salientar, contudo, que até pouco tempo, a etnomusicologia era dominada por análises de tradições orais entre “groups” não-letrados. Hoje, porém, os estudos de estilos populares veiculados pelos meios de comunicação de massa vem se tornando cada vez mais comuns, sendo assim concluímos que; a etnomusicologia hoje aborda desde as antigas civilizações e suas tradições orais até a contemporaneidade e suas culturas áudio visuais - 3D (Terceira dimensão) e HD (High Definition). Não só adentraremos no campo dos signos e representações, como também pretendemos neste trabalho, ressaltar a importância das abordagens políticas e sócio-culturais, abordagens estas muito comum no campo da “História Cultural”, como ressalta Bourbier.
Em nossa pesquisa nos apropriamos da “Cultura Popular”, porém, devemos adentrar em tal área com cautela, tendo em vista que o conceito cultura popular segundo Roger Chartier “[...] É uma categoria erudita” (1995, p. 179). Sobre tal tema Martha Abreu fala que “[...] Foi utilizado com objetivos e contextos muito variados, quase sempre envolvidos com juízos de valor, idealizações, homogeneizações e disputas teóricas e políticas” (ABREU, 2003, p. 87), ou seja, o acadêmico é o meio que classifica o tido popular ou não. Sendo assim, o conceito cultura popular tem por essência naturalizar a dicotomia entre popular-erudito, delimitando assim o campo de estudo. Não é isso que pretendemos aqui seguir, pois vemos que, tanto o popular quanto o erudito não são tão fadados a homogênização assim. Queremos com isso dizer que, apesar de trabalharmos com o conceito cultura popular, não comungamos da idéia de que o popular está de um lado da ponte e o erudito do outro, pelo contrário, apesar de divergirem em alguns pontos os dois convergem em outros. É partindo dessa premissa que começaremos a discussão sobre as praticas culturais religiosas do Maracatu Nação (Baque Virado).
“É preciso levar em conta que, por muito tempo a música esteve ligada aos ritos sociais e unificada por eles: música religiosa[...]” (FOUCAULT, 2001). Foi a parir da década de 1930 no governo Vargas, que o folclore e as manifestações populares ganharam maior visibilidade no cenário nacional. Nessa época era implantada a política de “miscigenação positiva” com embasamento teórico nas obras do nacionalista Gilberto Freyre. Ao longo das décadas passadas, em vários estudos culturais podemos perceber que a classificada cultura popular não é tão “omissa” como se pensava em relação à cultura erudita. Ou seja, a cultura popular assim como qualquer outra pratica humana não é neutra nem surge por acaso, por trás existe uma gama de ações para que a mesma seja legitimada não só no meio em que se encontra como também em outros campos de atuações. “Os novos estudos em torno da música popular, sobretudo em torno da industria fonográfica e do consumo musical, demonstram quanto é difícil, hoje em dia, sustentar abordagens generalizantes e normativas” (NAPOLITANO, 2002, p. 36). Como vimos, a cultura popular e a cultura erudita vez ou outra se encontram em processo de fusão, para tais praticas paralelas o inglês Peter Burke cunhou o termo ‘Biculturalidade’, ou seja, é impossível a cultura popular existir sem a erudita e vice e versa. Ambas necessitam uma da outra. Segundo o mesmo autor, na cultura: a escrita troca informações com a oralidade, a aldeia troca experiência com a metrópole, etc. Portanto, as culturas são híbridas, mesmo a mais antiga manifestação em um determinado período fez intercambio com outra (as) cultura (as) e sofreu processo de mutação, claro, algumas mais e outras menos, porém devemos analisar as culturas (sejam elas populares, eruditas ou de massa) de maneira impar, levando em consideração os conflitos sociais e políticos. “Tradições são assim mesmo, freqüentemente inventadas e reinventadas, como mostraram Hobsbawm e Ranger, pois visam consolidar determinadas continuidades em relação ao passado, diante das constantes transformações do mundo moderno” (ABREU, p. 100).
Diante dos argumentos dispersos a cima, tomamos o folguedo como uma manifestação cultural popular, pois usa tanto o artifício da oralidade quanto se apropria de simbologias para disseminar seus costumes e suas tradições. Sendo assim, a principio abordaremos os diversos signos culturais do Maracatu de Baque Virado, representações estas que vão desde o caráter político-religioso do cortejo à dança e musicalidade que o acompanha. Tomando como recorte cultural suas praticas desde o Brasil colônia e império, até os dias atuais.
O Maracatu, ritmo tradicional nordestino, é mais comum na Zona da Mata e Litoral. Proveniente do continente africano (mais especificamente do Congo nas tribos Nagô) desenvolveu-se no Nordeste brasileiro (especificamente em Pernambuco) a mais de 300 anos, período de sistema escravocrata. O maracatu é uma mistura de teatro, dança e música. Aqui no Brasil, se adaptou e se fundiu ao sincretismo religioso local, encenado para camuflar os cultos religiosos afros, pois as praticas religiosas não católicas eram proibidas pelo estado (rei) e pelo clero (igreja). Há principio serviu para repassar (através da oralidade) seu passado e sua história. No Brasil, hoje há dois tipos de Maracatus, são eles: Maracatu Nação (de Baque Virado) e Maracatu Rural (de Baque Solto). Apesar do cortejo está inserido como manifestação popular, não que dizer que seja uma manifestação populista nem pertencente à cultura de massa.
Geralmente participam de trinta a cinqüenta brincantes. O maracatu de baque virado consiste em uma cerimônia política de coroação da corte Nagô nas figuras representativas da rainha e do rei, partindo da perspectiva que muitas tribos africanas eram politicamente compostas pelo sistema monárquico, o Maracatu Nação representava (como o próprio nome já diz) a coroação de determinada nação. O cortejo começa quando as damas de honra que são acompanhadas pela corte: príncipe e princesa, duque e duquesa, barão e baronesa, sendo composta ainda pelo embaixador, porta estandarte, dama de corte, vassalo (também chamado de porta sombrinha) e damas de passo (conhecidas como Yabás ou baianas abrem alas para os personagens principais: A Rainha e o Rei. A dama ou as damas de passo (no máximo duas) carregam consigo a “Calunga” durante o cortejo. Calunga é o nome que se dá a (s) boneca (s) que representa as rainhas já falecidas, ou seja, as antepassadas da corte. Sendo assim, o cortejo não só enfatiza a questão político hierárquica da sociedade Nagô como também tem seu lado místico transcendental ao evocar os espíritos antepassados de seu povo. E por fim, o cortejo é completado com os batuqueiros, músicos encarregados de alegrar e dar ritmo ao desfile. A orquestra do maracatu de baque virado é constituída só de instrumentos de percussão, tais como: gonguê, ganzar, xequerê e maracá que tem como função fazer a marcação do ritmo, as caixas que em suas rufadas vibram vigorosamente e por fim as alfaias que com seu som grave pulsa como trovões dando assim força (e aquele arrepio na espinha) ao ato festivo. Com exceção das caixas, todo restante dos instrumentos tem origem africana.
O Maracatu nos séculos XVII, XVIII e XIX tinha como função à representação das coroações das nações africanas, sendo assim o festejo formava uma espécie de elo (de ligação) entre os ancestrais africanos e seus descendentes nascidos já na colônia portuguesa outrora chamada de “Terra de Santa Cruz”. O Maracatu Nação após a abolição ganhou as ruas como folguedo, porém sem perder totalmente sua essência que é a de festa religiosa. Ao sair em cortejo, se torna necessário a dança das calungas de fronte as igrejas, uma maneira de homenagear e agradar a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito (ambos, divindades negras católicas) Entretanto, quando os maracatus visitam algum terreiro os homenageados são os Orixás. Tal ato só vem provar o quanto ainda é marcante e presente o chamado sincretismo religioso em nosso país.
E começa o cortejo… A dama de passo vem na frente juntamente com toda a corte, a corte abre alas para o rei e a rainha que por sinal estão bem vestidos com capas de veludo e uma bela coroa na cabeça de cada um, nas mãos trazem cetros e/ou pequenas espadas, por trás do rei e rainha vem o vassalo que carrega o pálio (guarda-sol) e o gira como se fosse a própria terra que estivesse se movendo para saudar a realeza ali presente (colocar o escravo para carregar o pálio é um costume árabe, que por sinal até hoje tem influência muito forte em certas regiões do continente africano). Não deixando de lado a influência brasileira, algumas nações de maracatus inserem em seu cortejo os caboclos de pena, que seria uma representação do guerreiro indígena, acarretando assim uma mistura étnica de dois povos marginalmente tratado como cultura inferior pelos brancos europeus. O que podemos reparar com isso é a união (ao menos simbólica) dos oprimidos contra o opressor.
No estandarte se pode observar o nome da respectiva agremiação (Nação), uma figura (animal ou não) que a represente e o ano que foi fundada. As músicas cantadas no folguedo são chamadas de toadas, quem canta as toadas é o tirador de loas (loas nesse contexto tem o mesmo significado de versos) que apita ao início e término de cada estrofe, depois que o tirador de loas termina a estrofe os outros integrantes repetem frases da mesma estrofe ou responde com refrão. Com o passar do tempo, infelizmente a parte falada (encenação) foi extinta do folguedo, predominando a não menos importante, parte musical.
“A música, sobretudo chamada ‘música popular’, ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontro de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional”. (NAPOLITANO, 2002, p. 7). Como bem ressalta Napolitano, temos a nosso favor as fusões rítmicas e socioculturais ao longo do tempo em nossa música popular, sendo assim, o Maracatu Nação musicalmente falando, é rico em sonoridade, pois trás consigo o baque percussivo das nações africanas mesclado com o sincretismo religioso ao qual o cortejo foi imposto a passar, driblando tal fiscalização de forma sem igual em termos de criatividade. Não só na musicalidade como também no enredo simbólico representado por seus personagens, o Maracatu Nação se torna único. O Maracatu se tornou não só bom para ouvir, mas também para pensar de maneira critica a astúcia que o mesmo encorpou ao longo dos anos de resistência. “A música brasileira moderna é, em parte, o produto desta apropriação e desse encontro de classes e grupos socioculturais heterogêneos” (NAPOLITANO, 2002, p. 48).
Mas nem tudo são flores, como podemos perceber na obra de Marcos Napolitanos, o que conhecemos hoje como música popular até os anos 50 sofreu rejeição, tanto por parte da indústria fonográfica, das rádios que não a executavam e até mesmo dos acadêmicos em seus estudos. Desinteresse esse aflorado quando “O projeto de ‘folclorização’ da música popular sofreu um grande abalo com a eclosão da Bossa Nova[...]. A partir daí, houve uma espécie de limpeza de ouvidos, desqualificando tudo que fosse identificado como exagero musical: ornamentos dramatizantes, etc.” (NAPOLITANO, 2002. p, 62). A música popular nacionalmente só receberia atenção e o valor merecido nos anos 80. Entretanto, com o Maracatu esse processo demora mais um pouco, cerca de 10 anos a mais.
O Maracatu Nação se encontrava esquecido no final dos anos 80 e início dos anos 90, restando apenas poucas agremiações e nenhum incentivo por parte dos poderes públicos locais, Recife corria o risco de entrar no século XXI sem uma de suas maiores representações culturais. Era necessário se fazer algo para mudar esse quadro de degradação cultural, foi aí que alguns jovens (por vontade própria) resolveram levantar a bandeira da resistência cultural na cidade, ou melhor, resolveram ligar uma antena parabólica na lama, antenados com o bom que vinha de fora, mas com a preocupação de resgate cultural, não só do Maracatu Nação como também o Rural e outros ritmos considerados regionais, tais como o Coco (de roda e de embolada), a Ciranda Praieira, o Repente, etc. O grupo de jovens aqui citado, deram novos segmentos rítmicos aos ritmos regionais e o resultado sou outro estilo musical, mais moderno, porém se utilizando tando do pop quanto do regional. Estava criado então a Cena Mangue Bit, mas isso já é outra história…
Com a ajuda do Movimento Mangue Beat e posteriormente com o incentivo financeiro que as agremiações receberam (e recebem) dos poderes públicos como também de algumas empresas privadas o Maracatu se fortaleceu e não definhou. Graças ao empenho dos presidentes das Nações a perpetuação do folguedo está garantida. As dificuldades ainda existem isso é verdade, mas são bem menores que outrora. O Maracatu Nação se expandiu além das fronteiras do estado de Pernambuco, hoje podemos encontrar Nações em outros estados Nordestinos como PB, BA e CE, sem contar que até em MG se tem registro de Nações. O que podemos observar hoje é que o baque (batida) do Maracatu meche não só com as pessoas de descendência negra como também de outras raças. A partir dos anos 2000, as agremiações abrem suas portas e a cada ensaio ou a cada Carnaval é freqüente ver médicos, psicólogos, advogados, dentistas e engenheiros misturados com padeiros, mecânicos e pedreiros, pois o Maracatu propícia a interação e convivência fraternal com o próximo, independente de sua classe social, cor ou opção sexual. Portanto, a riqueza cultural do Maracatu é muito grande para se resumir apenas à zona da mata e litoral pernambucanos. Tem sim que ser incentivado em outros estados, pois o maracatu por excelência já é de uma grandeza histórico-cultural inestimável. Independente de onde esteja, o maracatu deve ser divulgado e executado, pois é por excelência uma ferramenta de resistência e inclusão social.
As “Nações” de Maracatus mesmo depois de três séculos respiram tradição e cultura, a exemplo vale citar a “Noite dos Tambores Silenciosos” que consiste em uma reunião das diversas agremiações em frente ao pátio da igreja do Terço no bairro de São José (Recife antigo). A meia noite da Segunda-feira de Carnaval, após um sinal os tambores param, depois do silencio se ouve uma voz tirar loas (cantar toadas, versos) em louvor a rainha dos negros Nossa Senhora do Rosário. A origem deste ritual se dá nos idos do período colonial. Distante da terra natal, os negros pediam a proteção de Nossa Senhora na tentativa de amenizar as dores do cativeiro cruel. A perpetuação desse rito faz com que a tradição mantenha-se quase que intacta ao passar dos séculos.
Em nossos estudos resolvemos trabalhar com história cultural e principalmente no campo da música por acreditar que apesar de ser um campo recente na historiografia atual, é ao mesmo tempo uma área de estudo pouco pesquisada. Porém como aborda Napolitano, nos últimos anos é bastante comum a utilização de canções ou gêneros musicais nas abordagens dos estudos históricos, creio eu, que a pesquisa se torna interessante para nós por nela conter linguagem poética e categorias simbólicas. Vale frisar que, como em qualquer outro campo historiográfico, é necessário ter cuidado na pesquisa nas analises e conclusões, “Para aquele que se propõe a estudar a história da música, é preciso ir além. Não basta dizer que uma música significa isto ou aquilo” (NAPOLITANO, 2002. p, 86). Para estudar o campo musical, creio que se torna necessário uma analise previa das grandes questões culturais, sendo elas questões políticas, econômicas e sociais. Pensando as canções como um produto subjetivo não isolado, não vejo tais questões separadas do estudo da música ou das praticas religiosas, por exemplo. “A música, popular ou erudita, constituiu um grande conjunto de documentos históricos para se conhecer não apenas a história da música brasileira, mas a própria História do Brasil, em seus diversos aspectos” (NAPOLITANO, 2002, p. 48).
Para concluir, confesso que escolhemos a temática por pura paixão, afinal não acredito em neutralidade na escrita, paixão sim, porém com responsabilidade. Tanto o Maracatu quanto a História me fascinam, sendo assim, que mal há em juntar os dois!?
“Afinal, todo pesquisador, jovem ou experiente, é um pouco fã do seu objeto de pesquisa. Em se tratando de música, a relação deliciosamente se multiplica por mil” (NAPOLITANO, 2002, p. 48).
ABREU, Martha. Cultura Popular: Um Conceito de várias Histórias. São Paulo 1999.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1992.
CHARTIER, Roger. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 8, n. 16, 1995.
FOUCAULT Michel. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema – Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2001.
NAPOLITANO, Marcos. História & Música - História Cultural da Música Popular. Belo Horizonte: Autentica, 2002. p. 48.
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