domingo, 30 de maio de 2010

Forró


O são João vem chegando... E todo ano além d’eu dançar bastante, comer uma infinidade de comidas típicas e até tomar umas cachacinhas (até porque ninguém é de ferro), todo ano também me indago sobre as músicas tocadas em tal manifestação popular. Pra ser mais curto e grosso, fico me perguntando se o que eu escuto é Forró de fato e me questiono a qualidade de dessas músicas que nos é empurrada goela a baixo. Pois bem, partindo do pré suposto de que Forró é um festejo executado em forma de dança e música e por pessoas de origem popular, percebo a cada ano que o Forró virou uma espécie de comercio industrial, cuja meta é simplesmente vender “bens culturais”, comercio esse que tem como ferramentas a apologia ao álcool e a prostituição. Comercio esse travestido na forma de “cultura de massa”

O que encontramos hoje no NE é uma exacerbada proliferação de “bandas fuleragens”, ou seja, bandas que não assumem compromisso moral com seus fãs e os tratam de maneira desrespeitosa. Acho um tanto quanto preocupante, pois nossas crianças crescem tendo que “engolir” no dia-a-dia canções que difamam as mulheres, e , mais inaceitável ainda é o comportamento feminino diante de tal situação. Boa parte das mulheres “forrozeiras” pagam ingressos para adentrar e assistir a um show desses, tudo isso para serem tachadas de “vadias, prostitutas, cachorras” e tantos outros adjetivos absurdos. Até compreendo que o ritmo do forró estilizado seja dançante, mas existem tantos outros ritmos dançantes por aí que não tem como essência o escracho feminino. Acho que também tenho direito a ter tal preconceito. Não sou obrigado a gostar do “oxentmusic”. Quando me proponho a falar sobre Forró, tento abordar o dito “Forró de verdade”, pois julgo eu, ser o começo de tudo, ser a essência do ritmo.

Sendo assim, vamos para o que nos interessa; o Forrobodó. O Forró é uma dança tipicamente nordestina, porém de influencias várias que vão desde as européias Chula (batizada por aqui de “Xote”), Polka (rastapé e quadrilhas), danças africanas e até o Toré, ritmo tipicamente indígena. Algumas danças e ritmos são “crias” do Forrobodó, tais como o já citado Xote, Baião, Xaxado, Xenhenhem, Samba de Latada, Rojão, Coco, Balanceio, além é claro, das variações Forró pé-de-serra e Forró Arrasta-pé. Todos estes ritmos e danças vieram da aceleração, redução, compasso e descompasso existentes no Forrobodó.
Atualmente há duas teorias para o surgimento da nomenclatura Forró. Segundo Câmara Cascudo, Forrobodó vem do dialeto africano Bantu e quer dizer confusão ou farra, a versão de Cascudo é a mais aceita. Porém há outra versão (inclusive defendida também por inúmeros pesquisadores). Tal teoria diz que a expressão Forró vem do inglês “For All”, ou seja, “para todos”. Essa versão diz que os engenheiros ingleses da ferrovia (The Great Western of Brazil Railway Company Limited) ao promoverem suas festas, colocavam um letreiro na porta com os dizeres ‘For All’, sabemos que os ingleses não têm como habito cultural se misturar com a “plebe”, além do que a cabroeira nordestina não sabia nem ler em português o que dirá em inglês, então acho pouco provável tal teoria e prefiro ficar com a versão de Luis Câmara Cascudo, por achar mais plausível.

As festas de Forró no final do século XIX e começo do XX eram conhecidas como Forrobodós ou Forrobodanças, respectivamente sendo traduzidas como “bagunça do povo” e “festa para todos dançarem”. Há quem diga que as festas de Forró são “carnavais sanfonados”, ou seja, o ritmo é tão contagiante que se torna quase que impossível não cair em suas graças e começar a arrastar o pé (seja acompanhado ou não). Sua temática, assim como o ritmo, também pode variar muito, mas os principais assuntos são as vivencias do cotidiano nordestino, que podem ser expostos tanto de forma triste e sarcástica como de maneira alegre e saudosista. Há também as letras de “segundas intenções” (gênero criado por Genival Lacerda) e as letras maliciosas de baixo calão e apelativas (muito difundida por bandas cearences).

O Forró tem como característica musical o tripé: Sanfona, Zabumba e Triangulo. Isso não quer dizer que não possa se acrescentar novos instrumentos a sua musicalidade. Na maioria das vezes os instrumentos acrescentados são: Pífano, Cavaquinho, Rabeca, Pandeiro, Agogô, Violão, Baixo, teclados e até guitarras (implantada por Luiz Gonzaga nos anos 80). No que tange o campo da dança, o ritmo é dançado por casais e dependendo da modalidade, como por exemplo, na quadrilha, os casais trocam de par. O forró é algo simples e eclético, se faltou homem na dança, não tem problema, dança amiga com amiga mesmo.

O Forró, como toda manifestação cultural teve seu ápice e sua fase obscura. Sua ascensão se deu nas décadas de 50/60 com a migração dos nordestinos para o “Sul” e principalmente em 70, pois foi nessa época que surgiram (nas capitais “sulistas” – São Paulo, Rio e Brasília) as “Casas de Forró”, espaços onde os artistas nordestinos tinham voz e vez para mostrar sua musicalidade. Sua queda se dá por volta dos anos 80, o Forrobodó já não interessava as novas gerações, que por sinal estavam deslumbradas com as luzes das discotecas e com o rock nacional. É aí que no final da década de 90, o Forró volta com força e cai novamente no gosto do publico. É nesse período que surge o Forró Universitário. Nos anos dois mil, para que tal “ressurreição” acontecesse foi preciso o Forró se vestir de acordo com a moda. Moda essa que conhecemos hoje, moda essa voltada ao mercado de bens culturais, moda que deturpa e que passa... Porém não passará jamais o bom Forró, pois esse é feito de (e com) paixão, não é uma maquina pré-fabricada de fazer dinheiro.

Então o que finalmente é Forró? Quem sou eu pra responder tal pergunta, deixo a resposta por conta de quem entende do ramo. Jacinto Silva certa vez falou (de maneira resumida, porém convincente) que: “Forró é poeira, é simplicidade.



 Referências Bibiográficas:

-Alvarenga, Oneyda. 1942. Música Popular Brasileira. São Paulo. ‘Lundu e Danças Afins’. P.177. 2ª Edição.

- Cascudo, Luís da C. 1962. Dicionário do Folclore Brasileiro. 2ª ED. Rio de .Janeiro. Instituto Nacional do Livro. Ministério da Educação e Cultura.

- Cascudo, Luís da Câmara. 1988. Dicionário do Folclore Brasileiro. 6ª Edição. Belo Horizonte, Itatiaia - São Paulo. p. 95. Editora da Universidade de São Paulo.

- Phaelante, Renato. Set / Out de 1995. Forró: Identidade Nordestina. Fundação joaquim Nabuco (Instituto de Pesquisas Sociais / Departamento de Antropologia). Recife - PE. Brasil.

Xaxado



Dança de origem Pernambucana provinda do agreste e sertão, ou seja, das regiões de caatinga (mata branca), região de clima seco e vegetação espinhenta. O Xaxado foi criado pelos cangaceiros e tinha como finalidade comemorar a batalha ganha. Sempre que o bando se reunia após a vitória havia muita festa e fartura de comida e bebida. Há relatos históricos que tal dança fora criada pelos cangaceiros de Lampião nos anos 20, mas precisamente na década de 1920 em Serra Talhada (na época, chamada de Vila Bela), porém há também quem diga que o Xaxado foi criado por cangaceiros de outros bandos. Portanto, mais antigo. Um fato curioso é que no período em que o Xaxado surgiu ainda não havia mulheres acompanhando os bandos, ou seja, o Xaxado era uma dança tipicamente masculina, só com o ingresso de mulheres nos bandos é que as mulheres (cangaceiras) puderam dançar. Antes das cangaceiras, os cangaceiros se viravam como podiam; dançavam com suas próprias armas e/ou até com outros cangaceiros.

O nome Xaxado é proveniente do barulho que as sandálias de couro dos cangaceiros fazia ao entrar em atrito com o chão seco, esse barulho era parecido com “xá-xá, xá-xá”. Como era uma dança de guerra, o Xaxado glorifica seus “heróis” mortos em batalhas, xingava o poder publico vigente da época, jurava de morte os “Macacos” (policiais, volantes) e enaltecia as vitórias do bando. As letras tinham um caráter satírico e zombador. Quem puxava as cantigas e comandava a dança era o cangaceiro chefe. Geralmente a dança era realizada sem o auxilio de nenhum instrumento, quem marcava o ritmo eram os pés em contato com o chão de terra batida e as mãos juntando-se em palmas umas com as outras. O passo principal era o avanço do pé direito em dois, três ou quatro movimentos laterais (dependendo da velocidade da marcação) enquanto o esquerdo era arrastado servindo de base, a formação era em fila indiana, tal qual um batalhão de guerra, e, os movimentos das mãos e braços também lembravam investidas bélicas, tudo isso em coreografias de movimentos quase que simétricos, porém firmes e sem muito exagero.

Durante muito tempo o Xaxado foi visto como dança (literalmente) marginal, não sendo aceita pela sociedade local. A campanha do governo em discriminar os cangaceiros durante décadas também influenciou para essa visão deturpada da dança em nosso imaginário. Não estou aqui para julgar o governo da época nem muito menos o cangaço, só estou tentando explicar que o Xaxado começou sim pelos cangaceiros, mas pode ser dançada por qualquer pessoa. Muitos relacionam o Xaxado com o clima junino, mas a dança pode ser dançada a qualquer época do ano, assim como o Forró e o Baião, o Xaxado também não é restrito só ao São João.

As letras eram criadas pelos próprios cangaceiros. O Xaxado também era praticado em momentos de descanso e laser. Há ainda hoje vários hinos conhecidos provenientes do Xaxado; alguns deles são: Acorda Maria Bonita, Olha a Pisada, Cavalos do Cão, Mulher Rendeira, Perseguição, Sertão vai virar Mar, Lampião Falou e outras tantas mais. As músicas do Xaxado são conhecidas hoje graças a um tal de Luiz Gonzaga, pois, foi Gonzagão que conseguiu o que nenhum artista até então tinha conseguido. Colocar as musicas do cangaço outrora cantadas só por cangaceiros para tocar nas rádios e teatros brasileiros. Isso foi um marco na indústria fonografia da época e graças ao respaldo, carisma e respeito que Luiz Gonzaga tinha com os “sulistas”, o Brasil todo não só ficou conhecendo como também canta até hoje as músicas do cangaço.

E como tudo está se moldando e a todo tempo se ressignificando, com o Xaxado não seria diferente. A dança ganhou outro sentido, hoje não é mais praticada por cangaceiros (as) e nem em louvor de alguma batalha ganha, mas sim, por dançarinos (as) que celebram a vida de perpetuar uma dança tão peculiar do nosso folclore Pernambucano.

Baião

Em meados do século XX o sudeste ainda escutava canções enfadonhas, eruditas e tristes como Machinhas, maxixe e Boleros. Foi ai que um compositor Pernambucano chamado Luiz Gonzaga (1912-1989), vindo do sertão lhes apresentou um ritmo novo, contagiante e alegre chamado Baião. Não demorou muito para os “sulistas” se agradarem do tal Baião. O Baião é um ritmo derivado de outro chamado Lundu (o Lundu segundo o sociólogo Waldenyr Caldas, chegou ao nosso país ainda no século XVI trazido por escravos. Portanto, de origem Afro), é também influenciado pelo Samba e o Conga (ritmo latino ‘cubano’). Apesar de ser um primo irmão do Lundu, o Baião segundo Câmara Cascudo, só veio a ser criado no século XIX, mas é no século XX (após 1946) que ele desbanca o Bolero e se torna “paixão nacional”.


Nos anos 50, o Baião vira uma verdadeira febre e vários artistas de outras vertentes musicais se rendem ao seu charme gravando suas canções, dentre esses artistas temos como exemplo Carmem Miranda e Jamelão. Apesar da Bossa Nova na década de 60 colocar um pouco de água no chopp do Baião, o mesmo ainda persistia e resistia principalmente pelo fato de ser mais “povo”, até porque a Bossa Nova usava smokin e tomava champagne, enquanto o Baião vestia gibão (vestimenta rústica tradicional dos vaqueiros nordestinos) e tomava cachaça.


Com o surgimento da industria cultural, o baião sofre mais um grande baque e definha mais ainda na década 70. Mas como bom nordestino, ainda tinha forças pra lutar e foi o que fez, através de artistas como o próprio Luiz Gonzaga, Dominguinhos e outros tantos que lutaram para que o Baião não fosse esquecido (ou engolido) pela modernidade, pela industria cultural que cada vez mais trazia o Rock’n’roll americano. Entretanto, no meio dessa confusão toda ocorre uma contradição, até o Rock se rende ao Baião - Como assim? - Vou explicar: como a Tropicália se apropriava de vários ritmos, o Baião não ficou de fora e se misturou com a Tropicália (ou ao contrário, tanto faz...), como a Tropicália também fundia elementos do Rock’n’roll, não foi difícil o Rock mescla-se ao Baião. Então, pra encurtar a estória, é criado por Raul Seixas o Baioque, uma mistura de Rock e Baião que se transformou numa espécie de ‘musica country brazuca”.


O titulo de Rei do Baião dado a Luiz Gonzaga não é por acaso. Esse Pernambucano de Exu não só foi o percussor do ritmo no sudeste como também inventou uma forma única e marcante de se tocar, um dos critérios fundamentais para se definir o Baião do Forró. Conzagão tocava de maneira única, “resfulengando” o fole, ou seja, quando ia “bombar” o acordeom, não fazia o movimento de vai-e-vem (comum entre os sanfoneiros da época) e sim, tremia a sanfona fazendo com que a mesma desce a impressão de está “gemendo”. Esta pequena, porém importante mudança na estética de tocar a sanfona é a marca registrada do Baião. Luiz Gonzaga foi importante para o Baião não só pelo fato de divulgá-lo, mas sim, de extraí-lo das violas dos cantadores sertanejos e transferi-lo para o fole. O Baião ostentava ainda uma rainha, uma princesa e um herdeiro do trono, respectivamente; Carmélia Alves, Claudette Soares e José Domingos de Morais (Dominguinhos). Muitos confundem a origem do Baião e pensam que o mesmo foi criado por Gonzaga, porém isso não é verdade. Luiz foi o grande propagador desse ritmo, não o criador. Aliás, não se tem idéia (se é que existiu) de quem criou o Baião, mas isso é o de menos, concordam?

sábado, 29 de maio de 2010

Maracatu Rural (de Baque Solto)


Muitos confundem Maracatu de Baque Solto com o Maracatu de Baque Virado e alguns até acham que é a mesma coisa, ledo engano. Pois há diferenciações gritantes entre eles. Tais diferenças vão desde a história de seu surgimento, a métrica do ritmo e seus instrumentos como também seus personagens. Se você ainda confunde estes dois folguedos, tentarei aqui, te ajudar a diferenciá-los.

O Maracatu de Baque Solto é criado posteriormente ao Maracatu de Baque Virado. Surge na zona da mata pernambucana (mais especificamente na mata norte) já nos século XIX e XX quando trabalhadores rurais do interior migram para a zona da mata a fim de encontrar trabalho. O Maracatu de Baque solto sofreu uma mescla de outros folguedos proveniente de todo território pernambucano, tais como Pastoril, Cavalo Marinho, Bumba-meu-Boi, Folia de Reis, Caboclinho e outros mais. O Maracatu Rural (como também é conhecido) sofreu influência no que diz respeito a todo o conjunto da obra. Em relação aos instrumentos, o Maracatu Rural também conhecido como “Maracatu de Orquestra” é diferenciado do maracatu nação. A sua orquestra é composta por tarol (ou caixa), surdo, ganzá, chocalhos, ‘poica” (cuíca), zabumba, gonguê e a orquestra em sim com clarinete, saxofone, trombone e corneta (pistom). Outra diferenciação é que, no Rural o coro é exclusivamente feminino (mas pode variar de agremiação pra agremiação). Tais mudanças instrumentais ocasionaram uma “acelerada” no ritmo, se comparado ao Maracatu Nação, o Rural ritmicamente falando é mais rápido, não tendo a marcação lenta que o Maracatu de Baque Virado tem.

O Maracatu Rural tem como personagens o Rei, a Rainha, a Porta Bandeira também chamada de Baliza, a Dama do Passo (ou Paço), o Mateus, a Catirina, a Burra e o Caçador, as Portas-Buquê, as Baianas, a boneca Aurora, os Caboclos de Pena (que não usam lança e sim machado) também chamados Tuxau ou Arreimá, carregam na cabeça um grande cocar de penas (na maioria das vezes de pavão). Como no Macaratu Nação, no Maracatu Rural também há o Vassalo ou “Menino da Sombrinha”. E por fim, o personagem principal: o Caboclo de Lança. O Caboclo de Lança é o guerreiro de Ogum, dá vida e alma ao folguedo formado por trabalhadores rurais (cortadores de cana) que, durante a brincadeira trocam suas enxadas e foices por lanças de madeira adornadas com fitas coloridas e seus chapéus de palha por volumosos, coloridos e exuberantes capacetes. Durante todo o ano economizam um pouco mais a fim de confeccionar seus mantos de cores “pura psicodélia”. Os mantos representam a armadura na encenação da batalha, alguns também usam grandes óculos e um cravo branco na boca.

Há relatos de que algumas batalhas entre as agremiações ocorriam de verdade e quando não matava feria gravemente o guerreiro. A música “Cruzeira das Bringas”, cantada por Siba e a Fuloresta do Samba relata bem uma dessas sangrentas batalhas reais aonde os caboclos se deslocavam até tal cruzeiro para duelar até a morte. Felizmente hoje a batalha é fictícia, porém de maneira tão realista que às vezes chegamos a pensar que a qualquer momento irá começar um daqueles antigos duelos de vida ou morte.

No Maracatu de Baque Solto não há cortejo real, quem comanda a brincadeira é o apito e/ou a bengala do Mestre que orienta a movimentação do Maracatu. O mestre também é responsável pela cantoria das toadas. Quatro personagens abrem a brincadeira: Mateus, Catirina, a burra e o caçador. A dança é realizada em dois círculos (um dentro do outro). Os caboclos de lança correm pelo circulo de fora encenando a batalha e golpeando suas lanças para cima e para baixo, para um lado e para o outro, segurando-a firme com as duas mãos, enquanto correm carregam uns chocalhos nas costas dando a marcação acelerada do maracatu rural. Enquanto isso no circulo interior dançam as damas de buquê e baianas onde podemos observar ao centro da roda os caboclos de pena, a boneca e o estandarte (que também pode ficar na frente do maracatu).

Algumas prefeituras fornecem subsídios às agremiações, algo como transporte e/ou dinheiro para a compra dos enfeites e confecções das roupas, porém a ajuda por mais que seja “de bom coração” ainda é pouco, pois as agremiações “sobrevivem” com suas apresentações (quando tem aonde se apresentar) e das economias dos brincantes. O Movimento Mangue também não esqueceu o Maracatu de Baque Solto e se fez influenciar por tal folguedo, juntando as guitarras de rock com esse efervescente ritmo Pernambucano.

No Maracatu Nação houve uma abertura no que tange o campo dos participantes no folguedo, hoje em dia não são mais os escravos que se apresentam em terreiros ou igrejas, mas sim a sociedade em geral. Um bom exemplo disso é o fato de hoje haver nas nações, integrantes de várias classes sociais. Ainda há sim descendentes de escravos, mas também médicos, engenheiros, advogados dentre outras profissões classificadas de elite em nossa sociedade. Infelizmente não observamos isso acontecer no Maracatu Rural, não sei se pelo fato da distância entre a zona rural e urbana ou recusa dos brincantes rurais em aceitar brincantes urbanos. Só sei que o apoio é menor se comparado ao outro Maracatu. Sei que o Nação é mais antigo, mas não custa nada aos poderes públicos do nosso estado apoiar a luta do nosso povo humilde (economicamente falando). Povo guerreiro por essência, sustentam os filhos com o maior sacrifício e ainda tentam economizar um pouco do pouco que ganham no esforço de não deixar um dos nossos expoentes culturais simplesmente desaparecer.

Maracatu Nação (de Baque Virado)


O Brasil é o maior país “negro” fora do continente africano, ficando atrás no ranking mundial apenas da Nigéria, na África. Temos portanto, um elo considerável com o continente africano, elo esse que obteve ligação em meados do século XVI com a vinda de escravos negros trazidos em navios negreiros através do Oceano Atlântico pelos europeus. Nos perguntamos hoje por que os “conquistadores” realizavam tamanha truculência a resposta logo aparece: pelo simples fato do conceito eurocêntrico de cidadania e civilidade da época, onde excluíam as sociedades não brancas e não européias, interpretando-as como aculturadas, ou seja, sem cultura. Sendo assim, as “bárbaras” etnias africanas estavam fadadas em servir aos “civilizados” portugueses, sem qualquer direito nem respeito, apenas dever. Segundo a aristocracia (isto inclui a igreja católica da época) européia, o negro não tinha alma, pois não era cristão! Sem “alma” o africano era considerado um “animal”, tendo em vista que só quem possuía a possível “alma” era os cristãos, sendo assim, os negros não possuíam alma, então eram animais, estando os negros no “estado” de animal, então deveriam ser tratado como tal. Não mereciam nenhuma consideração nem direito social de cidadão, eram vistos (pela classe dominante) como simples mercadorias de troca ou ferramenta de trabalho braçal.

Durante muito tempo pouco se foi feito para que este quadro mudasse, só após a chamada Revolução Industrial (meados do século XVIII) é que se viu a necessidade de trocar a mão de obra escrava pela mão de obra remunerada, tendo em vista que o escravo não dispondo de salário consequentemente não tinha capital para gastar com os produtos “industrializados” que chegavam aos portos das terras “Tupiniquins”. Entretanto, até chegar à lei de abolição da escravatura, o Brasil passou por um longo processo e implementações de leis, a exemplo das principais:

- Lei Nº 3270, mas conhecida como a lei do Sexagenário (28/09/1985), onde escravos com mais de sessenta (60) anos obtinham sua liberdade por decreto, lei paradoxa, tendo em vista que a estimativa média de vida escrava era de 25 a 30 anos, ou seja, era quase impossível o escravo ou escrava sobreviver por todo esse tempo e se sobrevivesse, para onde iria? Como viveria? Aonde e em que trabalharia?
- Lei Nº 2040, também conhecida como “Ventre Livre” ou lei Rio Branco (28/09/1871), tal lei garantia que a criança nascida em cativeiro ao completar vinte e um (21) anos, obtinha sua liberdade por direito (diante o pagamento de indenização da coroa para o senhor), mas para onde iria se suas raízes estavam todas no engenho? Como viveria sem nenhum auxilio? Na maioria dos casos, os “livres” permaneciam no engenho ou fazenda e ali terminava seus dias com o destino igual ao de seus pais, na labuta.
- Lei do Trafico (07/11/1831), a partir da citada data, fica proibido o oficio de trafico negreiro, sob pena de apreensão da “carga” e prisão dos contrabandistas, os guardas da coroa tinham o dever de “abater” navios que estivesse transportando escravos vindo da África. Essa lei gerou problemas, pois nem foi executada como deveria e também não levava em consideração as vidas escravas que por sinal estavam aprisionadas nos escuros, sujos e úmidos porões, acarretando assim a perda de inúmeras vidas.

Algum tempo depois, por pressão da Inglaterra, o Brasil é obrigado a assinar (através da princesa Isabel) a lei Áurea (13/05/1888), a citada lei abolia de vez a escravidão nas terras “Brasilis” sem qualquer tipo de indenização, seja para os proprietários ou para os ex-escravos. Com a abolição da escravidão veio mais um problema sério. Os ex-escravos ganharam a “liberdade”, porém não ganharam mais nada além da simbologia da quebra de seus grilhões. Não foram contemplados com terras nem gado para sua subsistência. Ficaram ao “Deus dará”, sem rumo, a saída foi se amontoar nos morros ou em comunidades quilombolas. Muitos não sabiam outro oficio além do corte da cana ou trabalho mucamo (domestico). Sem saber outro oficio nem dispor de capital nem terras, muitos negros libertos resolveram ficar em seus engenhos e os que ficaram ganharam míseros salários por seus trabalhos prestados. Com o tempo a situação veio a piorar, pois a coroa lança uma política de embraquecimento, trazendo imigrantes italianos e japoneses para trabalhar nas fazendas de café, como incentivo o governo da época ofertava terras e subsídios aos imigrantes europeus para o cultivo do café. Neste período a economia do açúcar se encontrava em processo de decadência, dando lugar à outra monocultura, a cafeeira no Sul (Sudeste) e algodoeira no Norte (Nordeste). Mas uma vez, os negros são marginalizados na história política, econômica e social do país.

Para mudar tal quadro, passaram-se praticamente mais de quinhentos anos. Foi a partir de 2003 com a lei 10.639 que o estado brasileiro através do governo Lula, deu a importância devida as nossas raízes afro, a referida lei torna obrigatório o estudo das culturas africanas e afro-brasileiras em escolas publicas. A lei 11.645 em 2008 acrescentou também o ensino das culturas e costumes indígenas. Porém estas leis ainda não entraram em vigor de fato, por enquanto estão só no papel, falta uma maior fiscalização e uma melhor formação dos profissionais docentes, tornando-os mais capacitados para exercer tal função. Entretanto, há avanços nesta área, algumas escolas modelos estão conseguindo cumprir a lei. O que vejo com bons olhos.

É baseado nesta perspectiva que resolvemos pesquisar sobre as permanências e as mudanças das tradições Afro, dando um enfoque no campo cultural, assim como também religioso, traduzido nos signos do centenário cortejo musico - teatral Maracatu de Baque Virado, mais conhecido como Maracatu Nação. Como embasamento teórico, usaremos alguns conceitos dos chamados Estudos Culturais (Cultural Studies), dentre eles trabalharemos com a linha Etnomusicologica, tal corrente se baseia no estudo da musica em seu contexto sócio cultural, tendo em vista que para estudarmos o tema decorrido, achamos ser esta abordagem melhor a se encaixar na problemática aqui exposta. Vale salientar, contudo, que até pouco tempo, a etnomusicologia era dominada por análises de tradições orais entre “groups” não-letrados. Hoje, porém, os estudos de estilos populares veiculados pelos meios de comunicação de massa vem se tornando cada vez mais comuns, sendo assim concluímos que; a etnomusicologia hoje aborda desde as antigas civilizações e suas tradições orais até a contemporaneidade e suas culturas áudio visuais - 3D (Terceira dimensão) e HD (High Definition). Não só adentraremos no campo dos signos e representações, como também pretendemos neste trabalho, ressaltar a importância das abordagens políticas e sócio-culturais, abordagens estas muito comum no campo da “História Cultural”, como ressalta Bourbier.

Em nossa pesquisa nos apropriamos da “Cultura Popular”, porém, devemos adentrar em tal área com cautela, tendo em vista que o conceito cultura popular segundo Roger Chartier “[...] É uma categoria erudita” (1995, p. 179). Sobre tal tema Martha Abreu fala que “[...] Foi utilizado com objetivos e contextos muito variados, quase sempre envolvidos com juízos de valor, idealizações, homogeneizações e disputas teóricas e políticas” (ABREU, 2003, p. 87), ou seja, o acadêmico é o meio que classifica o tido popular ou não. Sendo assim, o conceito cultura popular tem por essência naturalizar a dicotomia entre popular-erudito, delimitando assim o campo de estudo. Não é isso que pretendemos aqui seguir, pois vemos que, tanto o popular quanto o erudito não são tão fadados a homogênização assim. Queremos com isso dizer que, apesar de trabalharmos com o conceito cultura popular, não comungamos da idéia de que o popular está de um lado da ponte e o erudito do outro, pelo contrário, apesar de divergirem em alguns pontos os dois convergem em outros. É partindo dessa premissa que começaremos a discussão sobre as praticas culturais religiosas do Maracatu Nação (Baque Virado).

“É preciso levar em conta que, por muito tempo a música esteve ligada aos ritos sociais e unificada por eles: música religiosa[...]” (FOUCAULT, 2001). Foi a parir da década de 1930 no governo Vargas, que o folclore e as manifestações populares ganharam maior visibilidade no cenário nacional. Nessa época era implantada a política de “miscigenação positiva” com embasamento teórico nas obras do nacionalista Gilberto Freyre. Ao longo das décadas passadas, em vários estudos culturais podemos perceber que a classificada cultura popular não é tão “omissa” como se pensava em relação à cultura erudita. Ou seja, a cultura popular assim como qualquer outra pratica humana não é neutra nem surge por acaso, por trás existe uma gama de ações para que a mesma seja legitimada não só no meio em que se encontra como também em outros campos de atuações. “Os novos estudos em torno da música popular, sobretudo em torno da industria fonográfica e do consumo musical, demonstram quanto é difícil, hoje em dia, sustentar abordagens generalizantes e normativas” (NAPOLITANO, 2002, p. 36). Como vimos, a cultura popular e a cultura erudita vez ou outra se encontram em processo de fusão, para tais praticas paralelas o inglês Peter Burke cunhou o termo ‘Biculturalidade’, ou seja, é impossível a cultura popular existir sem a erudita e vice e versa. Ambas necessitam uma da outra. Segundo o mesmo autor, na cultura: a escrita troca informações com a oralidade, a aldeia troca experiência com a metrópole, etc. Portanto, as culturas são híbridas, mesmo a mais antiga manifestação em um determinado período fez intercambio com outra (as) cultura (as) e sofreu processo de mutação, claro, algumas mais e outras menos, porém devemos analisar as culturas (sejam elas populares, eruditas ou de massa) de maneira impar, levando em consideração os conflitos sociais e políticos. “Tradições são assim mesmo, freqüentemente inventadas e reinventadas, como mostraram Hobsbawm e Ranger, pois visam consolidar determinadas continuidades em relação ao passado, diante das constantes transformações do mundo moderno” (ABREU, p. 100).

Diante dos argumentos dispersos a cima, tomamos o folguedo como uma manifestação cultural popular, pois usa tanto o artifício da oralidade quanto se apropria de simbologias para disseminar seus costumes e suas tradições. Sendo assim, a principio abordaremos os diversos signos culturais do Maracatu de Baque Virado, representações estas que vão desde o caráter político-religioso do cortejo à dança e musicalidade que o acompanha. Tomando como recorte cultural suas praticas desde o Brasil colônia e império, até os dias atuais.

O Maracatu, ritmo tradicional nordestino, é mais comum na Zona da Mata e Litoral. Proveniente do continente africano (mais especificamente do Congo nas tribos Nagô) desenvolveu-se no Nordeste brasileiro (especificamente em Pernambuco) a mais de 300 anos, período de sistema escravocrata. O maracatu é uma mistura de teatro, dança e música. Aqui no Brasil, se adaptou e se fundiu ao sincretismo religioso local, encenado para camuflar os cultos religiosos afros, pois as praticas religiosas não católicas eram proibidas pelo estado (rei) e pelo clero (igreja). Há principio serviu para repassar (através da oralidade) seu passado e sua história. No Brasil, hoje há dois tipos de Maracatus, são eles: Maracatu Nação (de Baque Virado) e Maracatu Rural (de Baque Solto). Apesar do cortejo está inserido como manifestação popular, não que dizer que seja uma manifestação populista nem pertencente à cultura de massa.

Geralmente participam de trinta a cinqüenta brincantes. O maracatu de baque virado consiste em uma cerimônia política de coroação da corte Nagô nas figuras representativas da rainha e do rei, partindo da perspectiva que muitas tribos africanas eram politicamente compostas pelo sistema monárquico, o Maracatu Nação representava (como o próprio nome já diz) a coroação de determinada nação. O cortejo começa quando as damas de honra que são acompanhadas pela corte: príncipe e princesa, duque e duquesa, barão e baronesa, sendo composta ainda pelo embaixador, porta estandarte, dama de corte, vassalo (também chamado de porta sombrinha) e damas de passo (conhecidas como Yabás ou baianas abrem alas para os personagens principais: A Rainha e o Rei. A dama ou as damas de passo (no máximo duas) carregam consigo a “Calunga” durante o cortejo. Calunga é o nome que se dá a (s) boneca (s) que representa as rainhas já falecidas, ou seja, as antepassadas da corte. Sendo assim, o cortejo não só enfatiza a questão político hierárquica da sociedade Nagô como também tem seu lado místico transcendental ao evocar os espíritos antepassados de seu povo. E por fim, o cortejo é completado com os batuqueiros, músicos encarregados de alegrar e dar ritmo ao desfile. A orquestra do maracatu de baque virado é constituída só de instrumentos de percussão, tais como: gonguê, ganzar, xequerê e maracá que tem como função fazer a marcação do ritmo, as caixas que em suas rufadas vibram vigorosamente e por fim as alfaias que com seu som grave pulsa como trovões dando assim força (e aquele arrepio na espinha) ao ato festivo. Com exceção das caixas, todo restante dos instrumentos tem origem africana.

O Maracatu nos séculos XVII, XVIII e XIX tinha como função à representação das coroações das nações africanas, sendo assim o festejo formava uma espécie de elo (de ligação) entre os ancestrais africanos e seus descendentes nascidos já na colônia portuguesa outrora chamada de “Terra de Santa Cruz”. O Maracatu Nação após a abolição ganhou as ruas como folguedo, porém sem perder totalmente sua essência que é a de festa religiosa. Ao sair em cortejo, se torna necessário a dança das calungas de fronte as igrejas, uma maneira de homenagear e agradar a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito (ambos, divindades negras católicas) Entretanto, quando os maracatus visitam algum terreiro os homenageados são os Orixás. Tal ato só vem provar o quanto ainda é marcante e presente o chamado sincretismo religioso em nosso país.

E começa o cortejo… A dama de passo vem na frente juntamente com toda a corte, a corte abre alas para o rei e a rainha que por sinal estão bem vestidos com capas de veludo e uma bela coroa na cabeça de cada um, nas mãos trazem cetros e/ou pequenas espadas, por trás do rei e rainha vem o vassalo que carrega o pálio (guarda-sol) e o gira como se fosse a própria terra que estivesse se movendo para saudar a realeza ali presente (colocar o escravo para carregar o pálio é um costume árabe, que por sinal até hoje tem influência muito forte em certas regiões do continente africano). Não deixando de lado a influência brasileira, algumas nações de maracatus inserem em seu cortejo os caboclos de pena, que seria uma representação do guerreiro indígena, acarretando assim uma mistura étnica de dois povos marginalmente tratado como cultura inferior pelos brancos europeus. O que podemos reparar com isso é a união (ao menos simbólica) dos oprimidos contra o opressor.

No estandarte se pode observar o nome da respectiva agremiação (Nação), uma figura (animal ou não) que a represente e o ano que foi fundada. As músicas cantadas no folguedo são chamadas de toadas, quem canta as toadas é o tirador de loas (loas nesse contexto tem o mesmo significado de versos) que apita ao início e término de cada estrofe, depois que o tirador de loas termina a estrofe os outros integrantes repetem frases da mesma estrofe ou responde com refrão. Com o passar do tempo, infelizmente a parte falada (encenação) foi extinta do folguedo, predominando a não menos importante, parte musical.

“A música, sobretudo chamada ‘música popular’, ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontro de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional”. (NAPOLITANO, 2002, p. 7). Como bem ressalta Napolitano, temos a nosso favor as fusões rítmicas e socioculturais ao longo do tempo em nossa música popular, sendo assim, o Maracatu Nação musicalmente falando, é rico em sonoridade, pois trás consigo o baque percussivo das nações africanas mesclado com o sincretismo religioso ao qual o cortejo foi imposto a passar, driblando tal fiscalização de forma sem igual em termos de criatividade. Não só na musicalidade como também no enredo simbólico representado por seus personagens, o Maracatu Nação se torna único. O Maracatu se tornou não só bom para ouvir, mas também para pensar de maneira critica a astúcia que o mesmo encorpou ao longo dos anos de resistência. “A música brasileira moderna é, em parte, o produto desta apropriação e desse encontro de classes e grupos socioculturais heterogêneos” (NAPOLITANO, 2002, p. 48).

Mas nem tudo são flores, como podemos perceber na obra de Marcos Napolitanos, o que conhecemos hoje como música popular até os anos 50 sofreu rejeição, tanto por parte da indústria fonográfica, das rádios que não a executavam e até mesmo dos acadêmicos em seus estudos. Desinteresse esse aflorado quando “O projeto de ‘folclorização’ da música popular sofreu um grande abalo com a eclosão da Bossa Nova[...]. A partir daí, houve uma espécie de limpeza de ouvidos, desqualificando tudo que fosse identificado como exagero musical: ornamentos dramatizantes, etc.” (NAPOLITANO, 2002. p, 62). A música popular nacionalmente só receberia atenção e o valor merecido nos anos 80. Entretanto, com o Maracatu esse processo demora mais um pouco, cerca de 10 anos a mais.

O Maracatu Nação se encontrava esquecido no final dos anos 80 e início dos anos 90, restando apenas poucas agremiações e nenhum incentivo por parte dos poderes públicos locais, Recife corria o risco de entrar no século XXI sem uma de suas maiores representações culturais. Era necessário se fazer algo para mudar esse quadro de degradação cultural, foi aí que alguns jovens (por vontade própria) resolveram levantar a bandeira da resistência cultural na cidade, ou melhor, resolveram ligar uma antena parabólica na lama, antenados com o bom que vinha de fora, mas com a preocupação de resgate cultural, não só do Maracatu Nação como também o Rural e outros ritmos considerados regionais, tais como o Coco (de roda e de embolada), a Ciranda Praieira, o Repente, etc. O grupo de jovens aqui citado, deram novos segmentos rítmicos aos ritmos regionais e o resultado sou outro estilo musical, mais moderno, porém se utilizando tando do pop quanto do regional. Estava criado então a Cena Mangue Bit, mas isso já é outra história…

Com a ajuda do Movimento Mangue Beat e posteriormente com o incentivo financeiro que as agremiações receberam (e recebem) dos poderes públicos como também de algumas empresas privadas o Maracatu se fortaleceu e não definhou. Graças ao empenho dos presidentes das Nações a perpetuação do folguedo está garantida. As dificuldades ainda existem isso é verdade, mas são bem menores que outrora. O Maracatu Nação se expandiu além das fronteiras do estado de Pernambuco, hoje podemos encontrar Nações em outros estados Nordestinos como PB, BA e CE, sem contar que até em MG se tem registro de Nações. O que podemos observar hoje é que o baque (batida) do Maracatu meche não só com as pessoas de descendência negra como também de outras raças. A partir dos anos 2000, as agremiações abrem suas portas e a cada ensaio ou a cada Carnaval é freqüente ver médicos, psicólogos, advogados, dentistas e engenheiros misturados com padeiros, mecânicos e pedreiros, pois o Maracatu propícia a interação e convivência fraternal com o próximo, independente de sua classe social, cor ou opção sexual. Portanto, a riqueza cultural do Maracatu é muito grande para se resumir apenas à zona da mata e litoral pernambucanos. Tem sim que ser incentivado em outros estados, pois o maracatu por excelência já é de uma grandeza histórico-cultural inestimável. Independente de onde esteja, o maracatu deve ser divulgado e executado, pois é por excelência uma ferramenta de resistência e inclusão social.

As “Nações” de Maracatus mesmo depois de três séculos respiram tradição e cultura, a exemplo vale citar a “Noite dos Tambores Silenciosos” que consiste em uma reunião das diversas agremiações em frente ao pátio da igreja do Terço no bairro de São José (Recife antigo). A meia noite da Segunda-feira de Carnaval, após um sinal os tambores param, depois do silencio se ouve uma voz tirar loas (cantar toadas, versos) em louvor a rainha dos negros Nossa Senhora do Rosário. A origem deste ritual se dá nos idos do período colonial. Distante da terra natal, os negros pediam a proteção de Nossa Senhora na tentativa de amenizar as dores do cativeiro cruel. A perpetuação desse rito faz com que a tradição mantenha-se quase que intacta ao passar dos séculos.

Em nossos estudos resolvemos trabalhar com história cultural e principalmente no campo da música por acreditar que apesar de ser um campo recente na historiografia atual, é ao mesmo tempo uma área de estudo pouco pesquisada. Porém como aborda Napolitano, nos últimos anos é bastante comum a utilização de canções ou gêneros musicais nas abordagens dos estudos históricos, creio eu, que a pesquisa se torna interessante para nós por nela conter linguagem poética e categorias simbólicas. Vale frisar que, como em qualquer outro campo historiográfico, é necessário ter cuidado na pesquisa nas analises e conclusões, “Para aquele que se propõe a estudar a história da música, é preciso ir além. Não basta dizer que uma música significa isto ou aquilo” (NAPOLITANO, 2002. p, 86). Para estudar o campo musical, creio que se torna necessário uma analise previa das grandes questões culturais, sendo elas questões políticas, econômicas e sociais. Pensando as canções como um produto subjetivo não isolado, não vejo tais questões separadas do estudo da música ou das praticas religiosas, por exemplo. “A música, popular ou erudita, constituiu um grande conjunto de documentos históricos para se conhecer não apenas a história da música brasileira, mas a própria História do Brasil, em seus diversos aspectos” (NAPOLITANO, 2002, p. 48).

Para concluir, confesso que escolhemos a temática por pura paixão, afinal não acredito em neutralidade na escrita, paixão sim, porém com responsabilidade. Tanto o Maracatu quanto a História me fascinam, sendo assim, que mal há em juntar os dois!?

“Afinal, todo pesquisador, jovem ou experiente, é um pouco fã do seu objeto de pesquisa. Em se tratando de música, a relação deliciosamente se multiplica por mil” (NAPOLITANO, 2002, p. 48).


Referencias bibliográficas:

ABREU, Martha. Cultura Popular: Um Conceito de várias Histórias. São Paulo 1999.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1992.
CHARTIER, Roger. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol 8, n. 16, 1995.
FOUCAULT Michel. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema – Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2001.
NAPOLITANO, Marcos. História & Música - História Cultural da Música Popular. Belo Horizonte: Autentica, 2002. p. 48.

Vitalino - O Nordeste Sente Saudade do Mestre


Certo dia (não se sabe ao certo o dia, mas o ano era 1915) aparece na feira de Caruaru um menino tímido e franzino igual aos demais da região num fosse pelo seu dom na arte da cerâmica, arte essa que mais tarde não só a feira de Caruaru como um “taco” do mundo viria a conhecer. O menino se chamava Vitalino Pereira dos Santos e era filho de pai agricultor e mãe ceramista. Seu pai cuidava da roça e extraia o barro massapé nas margens do rio Ipojuca para que sua esposa fabricasse as peças de cerâmica utilitária; tais como pratos, potes e canecas.

Mas ou menos com seis ou sete anos, o menino Vitalino, com as sobras do barro das peças de sua mãe, fazia seus próprios brinquedos. Escupia bois, cavalos, galinhas, patos, guines, porcos e uma infinidades de bichos que existia no campo. Assim, enquanto brincava ao lado da sua mãe, o moleque estava aprendendo uma profissão (já que nos anos 20 no NE o futuro era incerto) e nem sabia! Quando sua mãe ia cozinhar as peças no forno, Vitalino colocava também seus brinquedos que o mesmo passara a manhã fazendo.


Com as peças todas prontas e a plantação colhida era chegada à hora do seu pai colocar os arreios no jegue e encher o caçuá (cesto grande de palha) com a produção do seu roçado e das cerâmicas da esposa para levar a feira de Caruaru na intenção de vender e/ou até mesmo trocar por outros gêneros alimentícios.


O tempo foi passando... Com quinze anos Vitalino já desenvolvia algumas peças de decoração e nos anos 30 já com vinte e um anos, sua técnica havia se aprimorado e o jovem artesão se destacava com suas peças. Esse destaque se dava pelo fato de suas obras descreverem o cotidiano Nordestino, ou seja, Vitalino retratava em suas peças cenas do dia-a-dia campal como a ordenha de uma vaca, um vaqueiro montado em seu cavalo, carros de bois, o lavrador com sua enchada nos ombros, etc.


Por retratar o cotidiano é que o artesão se destacou, suas peças eram mais que meras peças de cerâmica utilitária. Ele foi além, fez peças decorativas e consequentemente pertence a ele o titulo de propulsor da arte de esculpir a vida do povo Nordestino. Em 1930 o movimento de banditismo mais conhecido como Cangaço alcançava seu auge no nordeste e Vitalino que (apesar de ser analfabeto) não era bobo nem nada, resolveu se apropriar em parte da situação e começou a esculpir cangaceiros enfileirados e soldados também. Sua freguesia foi aumentando e sua fama se espalhando... Logo começou a fazer trabalhos por encomenda: Fazia bonecos de Padres, Médicos, costureiras, bacamarteiros, caçadores, feirantes, músicos e outras dezenas de profissões. Para que sua arte ficasse mais “vistosa”, Vitalino começou a pintar as peças (como se precisasse de cores para se apreciar obras de tamanha grandeza).


Assim como a freguesia aumentava, as criações do mestre se diferenciavam cada vez mais, Vitalino criou um pouco mais de 130 cenas que iam de banda de pífanos, quadrilhas juninas, pastoris, vaquejadas, casamentos a funeral! Vitalino até hoje é o ceramista mais conhecido do Brasil no mundo, tendo algumas de suas obras expostas em vários museus do mundo, por exemplo, no museu do Louvre em Paris-França. A arte de Vitalino se encaixa no que hoje chamamos de ‘arte figurativa’, pois, retrata o cotidiano sócio-cultural do povo de uma determinada região, seja esse cotidiano triste e/ou alegre.


Nascido no distrito de Ribeira dos Campos na cidade de caruaru, Mestre Vitalino também era musico, tocava pífano e segundo consta era um “cabra sem covardia”. Amigo de todas as horas, gostava de ajudar a todos. Para ele não existia concorrência, repassava seus conhecimentos e suas técnicas para os outros artesãos. Queria ver mesmo era a arte cada fez mais difundida.

Todo esse fervor artístico brotou no Alto do Moura, localizado a 8km da cidade de Caruaru, lá Vitalino foi morar em 1947 quando completou 38 anos, foi lá que ele se dedicou totalmente a seu oficio de artesão sobrevivendo das suas criações sem a necessidade de plantar nem colher. Sua arte era reconhecida, criou seus filhos com o que escupia. Entretanto, tal reconhecimento não veio na dose merecida. O Mestre faleceu pobre em 1963.

É no Alto do Moura que se encontra seus discípulos e onde funciona (desde 1971) a casa-museu do Mestre Vitalino, administrada por seu filho Severino Vitalino que por sinal também herdou o oficio de “bonequeiro” do pai.


Mestre Vitalino deixou dezenas de seguidores da sua arte. Hoje em dia, não só o Brasil conhece a obra do maior escultor nordestino como também durante toda época do ano o Alto do Moura recebe a visita e reconhecimento de turistas vindo de dezenas de países. Graças ao “bonequeiro” Vitalino, a feira de Caruaru ficou ainda mais conhecida. Graças ao Mestre Vitalino o Alto do Moura é repleto de turista. Graças a Vitalino Pereira dos Santos a arte nordestina, no que tange o campo da escultura, despontou para o mundo e é por esse motivo que dedico este texto a simples, porém, sofisticada e pioneira obra do Mestre Vitalino.

Capitania de Pernambuco



A denominação “Estado de Pernambuco” como conhecemos hoje é nova. Na fase correspondente ao “descobrimento” até o final do Brasil colônia foi chamada de “Capitania de Nova Lusitânia”. Só mais tarde “Capitania de Pernambuco”, após a “independência”, denominada de “Província de Pernambuco” e posteriormente com a proclamação da republica veio a se chamar de “Estado de Pernambuco”, como hoje o conhecemos. Mas o que nos interessa nesse texto não são as nomenclaturas e sim sua importância para a recém descoberta colônia portuguesa na América, ou seja, discutiremos aqui a importância econômica da província para a coroa portuguesa.
 
Como sabemos e aprendemos desde cedo na escola, às únicas capitanias que atenderam aos objetivos da coroa portuguesa foram Pernambuco e São Vicente, infelizmente para o desgosto dos que aqui vieram extrair nossas riquezas as outras capitanias não prosperaram tanto quanto as duas já citadas acima. Tal ascensão dessas outras doze capitanias não se deu por vários motivos, dentre eles o desinteresse, incompetência de gerência dos donatários, falta de recursos e outros fatores como extensos territórios impossíveis de serem cultivados e/ou policiados. Tinha também a resistência dos povos indígenas, pois, estudos recentes afirmam que os nativos brasileiros não ficaram tão omissos a pilhagem e invasão portuguesa. Alguns se aliaram e tombaram cedo, mas outras tribos resistiram bravamente. É um erro só pensar a história a partir do ponto de vista dos “vencedores” e do que se foi escrito, sabemos também que nas entre linhas da história oficial existe a história dos “vencidos” que não deixa de ter sua credibilidade histórica.
 
Aqui em Pernambuco, por exemplo, Duarte Coelho teve que fazer aliança com os Tabajaras, pois, portugueses e Tabajaras tinham um inimigo em comum, a tribo dos Caetés. Enquanto os Caetés lutavam para não perder seu território de caça, pesca e plantio, os Tabajaras se aliavam aos portugueses para combater um inimigo histórico, ou seja, essa relação de explorado (índios) e Exploradores (europeus) não era tão dicotômica assim como vemos na maioria dos livros, mas voltando ao assunto capitania...
 
De 1500 a 1534 a “Terra de Santa Cruz” não tinha nenhuma serventia para a coroa. Em 1930 a situação muda, o rei decide investir e começa a explorar o Pau-Brasil, árvore muito apreciada na Europa, pois dela se extraia uma boa madeira e um corante vermelho. Para o azar do Pau-Brasil, a cor vermelha estava em alta no velho mundo. Em 1534 Dom João III (o então rei de Portugal) nomeia 12 donatários e divide a colônia em quinze porções. A idéia era controlar/defender o território e fazer também com que o mesmo produzisse para o reino. Tais terras eram doadas a figuras ilustríssimas da sociedade portuguesa e cabia a elas a responsabilidade de defender e produzir na sua capitania, após a morte dos donatários a responsabilidade de gerir a capitania era passada para o herdeiro homem mais velho, apesar dos donatários terem poder sobre as terras e leis das suas respectivas capitanias, o território era propriedade da coroa. A capitania de Pernambuco foi “doada” a Duarte Coelho e blá, blá, blá...Essa estória estamos cansados de saber, em quase todo livro didático tem! 
 
Indo ao que realmente interessa e explicando economicamente porque a capitania de Pernambuco foi importante para a coroa portuguesa na época da colônia, temos como exemplo não só o já falado Pau-Brasil, como principalmente a implantação da cana-de-açúcar em nossas terras. Com um solo propício para o cultivo (terra vermelha também conhecida como solo massapé, riquíssima em nutrientes), Pernambuco foi visto com bons olhos para o cultivo de tal planta tão valorizada na época (século XVI e XVII). Cultivada basicamente por escravos negros, já que os “índios” se rebelaram com tal sistema explorador de trabalho. Entretanto, como na África alguns povos eram “acostumados” pós-derrota militar, se tornarem escravos dos vitoriosos, foi mais fácil colocá-los na labuta exploratória. O cultivo da cana a principio aconteceu no espaço territorial que hoje conhecemos como Zona da Mata (que de mata atualmente não tem mais quase nada) e Litoral, porque no referente ao agreste e sertão a cultura econômica predominante foi à criação de gado, o que por sinal ajudou a expansão territorial da capitania além de resolver o problema de alimentação da população litorânea.
 
Ao chegar à capitania em 1535 trazendo sua esposa e várias outras pessoas, Duarte coelho mandou ergui a igreja de São Cosme e Damião, por sinal a primeira igreja “brasileira”. Fundou também uma vila chamada de Igarassu, primeiro agrupamento de construções na colônia. Fixou residência em Olinda, passando assim a ser a capital de Pernambuco, em 1587 já havia mais de 60 engenhos na capitania. 
 
Mas enquanto as capitanias de São Vicente e Pernambuco economicamente iam de vento em poupa, as outras se atolavam mais e mais em dividas, isso fez com que a coroa tomasse uma decisão, se fazia necessário a intervenção imediata e o controle em forma da centralização de poder, isso não quer dizer que as capitanias acabariam de fato após a promulgação do decreto assinado pelo Marquês de Pombal em 1759. As capitanias de Pernambuco e São Vicente continuaram por algum tempo “independentes”, até serem anexadas ao poder centralizador da coroa, pois era muito ariscado deixá-las independentes e sem uma mínima vigilância e controle.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Pernambuco; imortal, imortal!


Ser Pernambucano antes de tudo não é uma condição geográfica, é um estado de espírito. Eu diria que ser Pernambucano vai além de um alto ego absurdo e sem nexo. Ser Pernambucano é ter orgulho de seu estado em forma de suas belezas naturais, de sua cultura e de seu povo. Ser pernambucano antes de qualquer coisa é ter a chamada “Pernambucanidade” correndo em suas veias e em seus pensamentos a toda hora do dia. É um orgulho tão ensurdecedor quanto o grave das alfaias em noites de Maracatu. É ferver de nostalgia ao pular um belo frevo, é levar a vida na “Cirandagem”... É nunca perder tempo com coisas mesquinhas e fúteis. É ser um brincante de Cavalo Marinho nessa vida tão seria e cheia de armadilhas. Ao mesmo tempo, ser Pernambucano é ter peito e coragem para tomar decisões difíceis na hora certa e assim como um bom Baião, ser forte e estar sempre preparado para as voltas que a vida dá. Pernambucano é aquela pessoa faz questão de cantar o hino do estado (nem que seja só o refrão). É o sujeito que sente um forte arrepio na espinha quando vê a mais bela bandeira estadual tremulando na sacada de um dos inúmeros casarões seculares da cidade de Olinda. Ser pernambucano é se maravilhar de ver (mesmo que poluídos), os rios Capibaribe e Beberibe encontrarem o mar.

Em cada centímetro dos 98.311 km², história e cultura se encontram. No que tange a história, temos um legado de revoltas e resistência que só vem a ressaltar o quanto nosso povo é guerreiro e heróico. Um bom exemplo disso é a Insurreição Pernambucana (1645-1654), a Guerra dos Mascates (1710-1714), a Revolução de 1817, a Confederação do Equador em 1824, a Guerra dos Cabanos (1832-1835) e a Revolução Praieira (1848-1849).

No campo cultural temos o melhor São João do mundo (apesar das controvérsias). Temos também um circuito do frio invejável, a maior feira ao ar livre da América Latina. Pastoris, Quadrinhas Juninas, a maior encenação teatral ao ar livre do mundo, Bumbas meu Boi, Cortejos de Maracatus, Cocos, Caboclinhos, Missas do Vaqueiro, o Galo da Madrugada (maior bloco do mundo), os Papangús, toadas de Cavalos Marinho, desafios de Violeiros e Repentistas dentre várias outras manifestações ao longo do estado. Literatura, Artesanato, e simpatia também são nosso forte, em nosso estado até um castelo tem! 

Se comparado a um animal, Pernambuco se iguala a um garanhão reprodutor. Pois, em seu território nasceram e se criaram figuras políticas, artísticas e culturais ilustríssimas como: Luiz Gonzaga, Virgolino Ferreira (o Lampião), Luiz Inácio “Lula” da Silva, Chico Science, Mestre Vitalino, Mestre Salustiano, Siba, o “velho guerreiro” Chacrinha, João Cabral de Melo Neto, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Joaquim Nabuco, Frei Caneca, Manuel Bandeira, Francisco Brennand, Gilberto Freyre, Josué de Castro, Capiba, Dominguinhos e tantos outros nomes que só vem a enriquecer e abrilhantar mais ainda a exuberante constelação do nosso estado.

Não sei se existe algum Pernambucano que não se incomode quando escuta falarem mal de seu estado. Há quem nos defina como megalomaníacos. Porém, se é pra ser um megalomaníaco Pernambucano... É, acho que sou isso mesmo!

Rio Capibaribe, a Capivara Pernambucana



O rio Capibaribe sem sombra de duvidas é um dos rios mais importantes do estado de Pernambuco, citado em vários trabalhos acadêmicos e num montante de livros e poemas, a exemplo disso temos “O Rio” (1953) de João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Existe também algumas reportagens sobre o rio, a titulo de conhecimento temos um especial exibido em Janeiro de 2006 no “Globo Rural”, em (2007) outro especial no programa “Mais Você”, ambos da rede globo. Seu nome é derivado da língua Tupi: Caapiuar-y-be ou Capibara-ybe (ou ipe) o que significa Rio das Capivaras. Sua nascente se dá na serra do Jacacará, na divisa dos municípios de Jataúba e Poção, ambos localizados em PE. Da nascente a foz o rio percorre 250 km, possui 74 afluentes e banha 43 municípios, dentre eles Jataúba, Poção, Sta. Cruz do Capibaribe, Toritama, Limoeiro e Paudalho, até chegar ao Recife e desaguar no Oceano Atlântico. Com uma bacia hidrográfica de 7.716 km² representa 7,8% do território estadual.

Apesar de ser um gigante natural no estado de Pernambuco, o Capibaribe tem seu curso dividido em três partes, no alto e médio as águas são sazonais (alguns meses do ano o rio seca completamente na sua superfície), no denominado baixo curso (a partir de Limoeiro), suas águas são perenes (sem períodos de seca). Para que se tenha mais ou menos uma noção da importância econômica do Rio Capibaribe para a economia pernambucana, podemos nos referir, por exemplo; a foto tirada por Marc Ferrez em 1875, onde podemos ver navios ancorados em frente ao cais do Tapiche.

Através de suas várzeas se formaram os primeiros engenhos de cana-de-açúcar. O rio, durante muito tempo foi também acesso entre o interior e a capital, como vimos no auto de natal Morte e Vida Severina (1966) - em 1985 pela rede Globo, tornou-se mine serie - Tal narração é de autoria de João Cabral de Melo Neto e relata o sofrimento do matuto em seu êxodo rural para a capital. Onde julgava; chegando ao Recife, obter vida melhor. A saga chega ao fim quando o mesmo percebe que na capital o sofrimento é pior. O Capibaribe e suas estórias contraditórias fazem parte da identidade do povo pernambucano, pois, ao mesmo tempo em que se tem um rio gerador de progresso no século XIX, nos séculos XX e XXI encontramos um rio que pede ajuda para não morrer.

A principal causa da poluição do Capibaribe é a ocupação desordenada e o lançamento diário de esgoto não tratado. Outro de seus problemas se encontra no eixo Santa Cruz do Capibaribe-Toritama. Pois, é nessa faixa do rio que o mesmo recebe a maior carga de poluição em seu curso. Tendo em vista que em Sta. Cruz e Toritama a economia é em parte baseada na fabricação e lavagem do jeans, consequentemente há muito efluente industrial tornando assim a poluição muito grande no rio. Em 2003 a Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH) fez um levantamento alarmante, das 56 lavanderias nenhuma delas possuía alvará de funcionamento. Sem pagar impostos e sem um órgão que as fiscalizassem, as lavanderias tinham carta branca para despejar a quantidade de poluentes que bem entendesse no rio, sem a preocupação de multas e a menor consciência ambiental. Felizmente em 2004, um termo de conduta foi assinado pelos empresários donos das lavanderias, um grande passo em pró da “saúde” do rio. Há também a questão de restos de animais provindos de matadouros clandestinos que são jogados ao longo do rio. Em algumas cidades por onde o Capibaribe passa existe verdadeiros lixões onde podemos encontrar todo e qualquer objeto feito pelo homem, de simples garrafas pet’s, a sofás e geladeiras (exemplo bem parecido com o rio Tiête-SP). Engana-se quem pensa que as indústrias são as maiores poluidoras do Rio Capibaribe. A questão do assoreamento do rio é o principal fator destrutivo, pois, em várias cidades por onde o rio passa, não existe um programa de revitalização das suas margens, a mata ciliar resumisse praticamente a capim ou cana-de-açúcar.

Apesar de tudo o Capibaribe tenta se reerguer novamente e se tornar mais uma vez tão imponente quando há anos atrás. Graças ao empenho de movimentos como o Recapibaribe, encabeçado pelo casal André e Socorro Cantanhede, o rio respira mais um pouco e consegue ser mais limpo e digno dos poemas dedicados a ele. Se em 1901 as margens do rio deu-se nome ao Clube Náutico Capibaribe, hoje em Recife o rio é tão poluído quanto o Beberibe (outro rio importante que corta as avenidas da nossa Veneza brasileira). A fedentina é quase que insuportável. O rio de águas serenas, cartão postal da cidade do Recife também é um rio doente e fedido que quase não tem vida. Ao cruzar a região metropolitana da cidade Maurícia (antigo nome dado ao Recife), o Capibaribe hoje em dia assim como tantos outros rios brasileiros, é quase um esgoto a céu aberto.

Ainda dá tempo salvar nosso lindo rio, falta um pouco de vontade não só dos governantes, mas sim de cada um de nós. Mais recursos para limpar o rio e fiscalização nas empresas que o poluem são importantes passos, porém o passo maior que podemos dar parte de nós mesmos, pois, a partir do momento que deixamos de desmatar suas matas ciliares e jogar lixo e esgoto em suas águas, o Capibaribe se revitaliza naturalmente, consequentemente volta a ser o rio cheio de vida que em outrora foi.