O movimento Mangue abriu suas “fronteiras” e não se limitou apenas ao campo da música, também influenciou as artes plásticas e o cinema local. Para isso se utilizou tanto de espaços privados como recursos públicos. Havia uma gama de possibilidades para se trabalhar com a temática Mangue, os Mangue boys abriram o “leque da criatividade” e viram que algo de novo poderia brotar do pantanoso mangue, além de miséria social como mocambos e palafitas, havia também muita fertilidade biológica e cultural, era essa área que deveria ser explorada, não no sentido de sugar, mas sim de ver e ser vista, de notar e ser notada. Vale salientar, entretanto que o Mangue Beat brasileiro (década de 90) não tem nada a ver com a Geração Beat inglesa dos anos 50. A Geração Beat é um movimento literário surgido no Reino Unido e não exerce influência notável ao Mangue Beat
Sendo o movimento Mangue espécie de “quilombo cultural”, não demorou muito para inúmeras variações artísticas se inspirarem em sua filosofia e se utilizarem de seus signos. Se musicalmente o Mangue Beat saiu do centro cultural Darué Malungo (Companheiro de guerra no dialeto Ororubá), o próprio centro e algumas comunidades periféricas como Chão de Estrelas, Peixinhos e Auto José do Pinho se “associaram” ao movimento para assim obter o objetivo a ser alcançado, tirar os jovens do ócio oferecendo-lhes atividades profissionalizantes, o que é de suma importância para comunidades que praticamente vivem sem nenhuma perspectiva de vida, onde a criminalidade “bate a porta” dia-a-dia. Dados anteriores mostrados por Josué de Castro no livro Geografia da Fome - 1946, falavam que a cidade do Recife tinha 700.000 habitantes, dos quais 230.000 viviam em mocambos (moradias precárias). Décadas depois, o censo de 2000, aponta que, dos 1.422.905 habitantes, cerca de 501.000 vivem em condições de pobreza, ou seja, 35,2% da população local. A proposta pensada pelos mentores do Mangue Beat era diminuir o ócio cultural da cidade e consequentemente fazer com que os índices de pobreza e criminalidade caíssem. Porém a triste realidade é que em relação à melhoria no campo econômico pouco se alcançou, entretanto os índices de criminalidade caíram. Existem dois motivos para explicar tal fato, o primeiro é pensar que dentro das suas limitações a Cena Mangue conseguiu chamar a atenção dos jovens para produções culturais, desviando-os assim da criminalidade, ou apenas coincidência, pois o Recife está menos violento e apesar de ser a capital nordestina mais violenta, não é mais a quarta pior cidade do mundo para se viver. Uma coisa é fato, os jovens que se influenciaram pela filosofia ‘Crustaceana’ ao invés de seguirem uma vida de crime, sentiram o estimulo fértil da lama, resolveram sair do mangue e ganhar o asfalto! Muitos escolheram a musica Mangue para (tentar) ascender economicamente e também expressar suas angustias e seus sonhos. Era “Pernambuco falando para o mundo” (expressão muito usada nesse período). O Mangue Beat difundia a idéia de que, para conhecer a cultura local era preciso se comunicar com as demais culturas e para isso se fazia necessário instalar (na lama do mangue) uma antena, como disse Fred 04 “...de baixa tecnologia e longo alcance” para só assim captar o “bom” vindo de fora e mesclar com o “bom” da Manguetown (Recife). Como cantou Chico Science, a música tinha que mudar, mas com “Pernambuco embaixo dos pés e a mente na imensidão” (Mateus Enter – Afrociberdelia, 1996).
O Movimento Mangue Bit não se limitou a música, foi além e fez se notar praticamente em todas as formas de expressões artísticas. Me deterei porém em minha analise, além da música, ao cinema, teatro e moda. Como exemplo de cinema Mangue, o chamado ‘Mangue Movie’, subdivisão do gênero cinematográfico ‘Árido Movie’, temos os películas Baile Perfumado que aborda o tema o cangaço e o banditismo da década de 40 exercido por Lampião e seu bando. O filme tem trilha sonora das bandas Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ), Mundo Livre S/A (MLSA) e Mestre Ambrósio. As canções interpretadas por CSNZ foram: Angicos, uma versão original e dois remixes, Salustiano Song e Sangue de Bairro, essas com seus fonogramas originais e duas versões. Enquanto a MLSA interpretou Harde Tango, Baile perfumado, tenente Lindalvo e a banda Mestre Ambrósio ficou com Baile Catingoso, Mamede, Chico Rural, Bejaab e Fulô do Junco, esta ultima de domínio publico. Além da participação nas gravações dos integrantes da banda Mestre Ambrósio, o filme teve como produtores musicais Chico Science, Fred 04, Lucio Maia, Siba e Paulo Rafael. Com participação em algumas canções de Stela Campos e Alceu Valença. O filme foi o primeiro longa do gênero. Logo depois veio “Amarelo Manga”. Esse, mais urbano e abordava temas da classe baixa recifense. Com trilhas da Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Otto. Nação Zumbi interpreta Acordando, a entidade, Defunkt, Dollywood, Kanibal ...E o boi deitou, Nebuloza, o fim, Gafieira na Avenida e o fonograma Tempo Amarelo. Mundo livre, a canção Lígia e Otto a canção tema do filme; Amarelo Manga. Com produção musical de Lucio Maia e Joerge du Peixe e participações de B. Negão e Apollo9, a trilha se destaca. Além de Baile Perfumado e Amarelo Manga, ao que se refere trilha sonora Mangue Beat, podemos destacar os longas: A Maquina, Narradores de Javé, O Homem que desafiou o Diabo, Árido Movie, Besouro e Deus é Brasileiro. Em alguns desses filmes, cantores ou bandas Mangues interpretam papeis dentro da trama. Há ainda os curtas Maracatus, Maracatus (Marcelo Gomes), That’s A Lero-Lero (Stepple e Lirio Ferreira) Texas Hotel (Cláudio Assis), A Perna Cabiluda (Beto Normal, Gil Vicente, Marcelo Gomes e João Junior), O Mundo é uma Cabeça (Bidu Queiroz e Cláudio Barroso). Como podemos notar, a produção audiovisual pós Mangue iam de vento em poupa. Certa vez o cineasta Walter Sales Junior ressaltou que “O Mangue Beat foi à coisa mais importante que aconteceu na música popular brasileira”. E pelo o que vimos até agora, não só para a música em si, como também para várias outras expressões artísticas.
No campo teatral, como destaque Mangue temos três espetáculos: O Príncipe das marés, com figurino de Eduardo Ferreira. O espetáculo Pata aqui, pata acolá (2000), adaptado do livro de Edmilson Lima por Sidney Cruz e dirigido por José Manoel, tem como tema uma Família de caranguejos e seus conflitos com o bicho homem. Por ultimo destaco o espetáculo de dança Zambu, com coreografias de Sonalye e Mônica Lira. Na moda temos em destaque o estilista Eduardo Ferreira e a grife Período Fértil, dos artistas Clezinho Santos e Maria Lima. Não deixando de citar os fotógrafos Mangue Fred Jordão, Roberta Guimarães e Breno Laprovitera, e, o escultor Evêncio Vasconcelos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário