quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Mangue Beat: A Tajetória...

Antes de tudo, precisamos deixar claro que o conceito cultural Mangue, antes de um gênero musical, é um conceito filosófico cultural, ou seja, engloba não só a música, mas também artes diversas como cinema, grafite, moda, pintura, fotografia, teatro entre outras. Em minha analise, resolvi usar duas palavras diferenciadas para explicar a respectiva cena cultural recifense dos anos 90. Denominando “Mangue Bit” para o conceito englobador de todas as demais artes e “Mangue Beat” para o gênero musical e as bandas.

Há duas versões para o surgimento do conceito Mangue. Apesar de divergirem em aspectos como local, concordam com um eixo central de que, quando Science propôs a ideia, foi em uma conversa informal com amigos.

Recife, Pernambuco, final dos anos 80: em algum coletivo superlotado, horário de pico atravessando as compridas avenidas da “Veneza brasileira”, estavam até então dois rapazes comuns com vários sonhos e perspectivas de melhores dias. Chico olha para seu amigo (na época funcionário da VASP) Jorge du Peixe, (apelido herdado da mania que o mesmo tinha em colecionar peixes) e Chico exclama:

“Rapaz, tô com uma idéia do caralho! Num tem Mambo? Num tem Calipso? Pois agora tem o Mangue!“. E, naquele ônibus lotado onde subia e descia gente a toda hora, Chico continuou a falar para seu amigo: “O conformismo mata a musicracia, temos que correr atrás de novas batidas, brincadeira feita com seriedade. Vamos energizar o Mangue, instalar uma Parabólica na Lama, mostrar a cara do Brasil”(Science apud TELES, 2000).

A outra versão é contada por Renato L (Lins):

“Eu estava no Cantinho das Graças, na mesa acho que bebiam Mabuse, Fred, Vinicius Enter e outros. De repente Chico apareceu e sem nem se sentar foi anunciando ‘olha, fiz uma Jam session com o pessoal do lamento negro e mesclei uma batida disso com uma batida daquilo e um baixo assim... /vou chamar esse groove de Mangue!’ Na hora, ficamos sem saber o que era mais interessante, o som ou a palavra usada para sintetizá-lo. Aquele era o rotulo!” (Renato Lins apud  TELES, 2000). 

Em qualquer uma das versões, podemos notar que a cena Mangue não surgiu por acaso, e sim, foi um processo criativo pensado a partir de um contexto histórico cultural, nesse caso, o marasmo musical ao qual a cidade se encontrava. Nascia assim o movimento cultural que fez com que Pernambuco (musicalmente falando) se tornasse conhecido em todo o Brasil. 

“As pessoas que moram em Recife estavam sentido uma necessidade muito grande de renovar a cultura da cidade. Quando surgiu o Mangue Beat elas abraçaram a nossa causa. A gente ganhou amigos. Os produtores de vídeo, o pessoal da fotografia, das artes plásticas e do teatro foram aceitando a ideia, trabalhando conosco,  isto permitiu que o movimento estourasse fora da cidade” (Science apud TELES 2000: 329).

Renato L, Fred 04, Mabuse e Dolores, classificam a cena como uma cooperativa cultural e dizem que tanto a denominação “Movimento” quanto “Mangue Beat” foi a impressa que nomeou. Chico também tinha o mesmo pensamento: 

“Eu batizei essa coisa de resgatar os ritmos regionais e ligar isso a musica pop mundial. Pegar esses elementos e botar com a guitarra, o baixo e usar o sampler, usar tecnologia. Eu dei o nome de Mangue. Eu achei legal dar o nome de Mangue por causa da cidade, por causa de uma poética que eu vivo. Já o Beat veio da mídia” (Science apud  TELES, 2000).

Diante dos vários discursos e das versões apresentadas acima, podemos definir o Mangue Bit como uma ideia que coloca em pratica o pensamento nietzcheano de fazer da sua vida uma arte, ou seja, Carpe Diem. A cena Mangue buscando essa mistura de cultura pop, popular e erudita, identifica-se às ideias de antropofagia cultural dos modernistas de 22 e dos tropicalistas dos anos 70.

O conceito antropofágico como pratica cultural, foi criado na Semana de Arte Moderna de 22, por Mario de Andrade, Oswald de Andrade e outros artistas. Serviu para, de certo modo tecnizar e teorizar a cultural brasileira. É dentro desse contexto histórico que Oswald de Andrade lança em 1928 o Manifesto Antropofágico. Propôs misturar o local com o mundial, ou seja, segundo Oswald de Andrade os elementos culturais estrangeiros deveriam ser deglutidos, reprocessados e regurgitados em forma de novo. E foi isso que (coincidentemente ou não) o Mangue Beat se propôs:

“Queremos misturar o rock’n’roll com as influências que a gente teve, com a disco dos anos 70. Não estabelecemos padrões, queremos uma música aleatória. Queremos é trabalhar ritmos nordestinos com diversão. Levamos a diversão a sério e isso é a nossa maior preocupação [...] Foi sempre o que eu quis fazer[...] queremos dar um sample para o repentista” (Entrevista de Science ao Jornal do Brasil apud TELES, 2000: 332).

Apesar da proposta Mangue influenciar-se com o pensamento sugerido na Semana de Arte Moderna, não se prende a mesma. Como podemos notar na citação acima, os “Caranguejos com Cérebro” (assim como auto se intitulavam os mentores) buscam uma desvinculação de padrões estéticos e musicais. Porém com o parecido xenofobismo de 22 (no Mangue resumido ao patriotismo regional). O discurso “bairrista” se fazia presente tanto na fala de seus seguidores quanto na fala de seus mentores. “Entreguei ao Recife a minha emoção e a Pernambuco o meu amor” (Chico Science).

É nos anos 90 que o Mangue Beat tem seu “ponta pé inicial”. Vale lembrar que nesse período o país está passando por várias mudanças; o fora Collor, a transição do Long play (LP), mais conhecido como “bolachão” para a mídia Compact Disc (CD), a difusão da internet e novas tecnologias como email, etc. O Mangue Beat nasce dentro de uma época globalizada, onde as sociedades se interagem e se conhecem cara vez mais, todas essas mudanças culturais refletem nas artes e com a música não é diferente. O Mangue Beat estava tão ligado a Música Regional quanto a World Music. Salvo as devidas proporções, pois “É evidente que a World Music não é música do mundo e sim uma limitada seleção de sons de outros locais do mundo” (Keith Negus. 2005, p 280). Ou seja, o Mangue Beat não fundiu todos os ritmos regionais, até porque tal proposta é impossível de se concretizar, tendo em vista que temos milhares de culturas dentro de centenas de nações. A grosso modo, o que o Mangue Beat fez foi, fundir a regionalidade nordestina com algumas batidas africanas, afro-americanas e o rock’n roll.

Toda tropa tem um quartel, para o exercito dos “Malungos”, o Q.G era o apartamento da irmã de Chico, Goretti. Funcionava como ponto de concentração, era onde Chico e sua turma se reuniam para beber, conversar e trocar ideias sobre novas fusões rítmicas. Era lá também que se ouviam os discos. Todos da turma trocavam livros didáticos por discos em sebos, os discos tornavam-se uma espécie de propriedade coletiva entre eles. Goretti ainda preserva o quarto que Chico usava em seu apartamento do mesmo modo que ele deixou antes de falecer.

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