quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Chico Science


No dia 13 de Março de 1966 nascia no bairro de Rio Doce, na cidade de Olinda-PE, o caçula de quatro filhos (Francisco de Assis França). Na infância teve crises de asma até os 8 anos. Sua mãe queria que o filho ao crescer se tornasse padre. Passou a adolescência em meio a Caranguejos Uçá, Gaiamuns e Aratus, brincando e fazendo traquinagens; jogando pião, correndo atrás de bola, empinando pipa e tomando banho de rio.

Fazia bicos para ganhar dinheiro e ir aos bailes Funks, na época, denominado de Miami Bass, música Black americana, portanto, diferente do funk carioca. O tempo passa e na sua fase adulta Chico termina o segundo grau (ensino médio), se torna funcionário publico. Seu pai, natural de Surubim-PE, Chegou a ser vereador de Olinda. Gostava de cantoria, de Repente e Cordel e atualmente trabalha no Espaço Ciência, em Olinda. Foi com o seu pai que Chico tomou gosto pela sonoridade regional e foi com a ajuda de Chico, (que fez o slogan da campanha) que seu pai exerceu o mandato de 1984-1988.  “Povo de Rio Doce/ Vote com confiança /para vereador/ vote em Luiz de França (Chico Science).

Até então, ninguém imaginaria que um jovem vindo da periferia iria sacudir a cena musical local. Chico Science junto com alguns amigos conseguiu desentupir as veias da “Amsterdã das Américas” criando de fato, o único Pop nacional. Em 1984. Quando Chico ainda não era Science e se auto-intitulava “Chico Vulgo”, integrou a Legião Hip Hop. Nome dado a um dos principais grupos de break do Recife. Organizava as festas eletrônicas na cidade, da divulgação e locução aos mínimos detalhes como checagem de som, iluminação, etc. Apaixonado por música Latina, Eletrônica e Regional, dono de um parque de diversões na cabeça, Chico forma sua primeira banda batizada Bom Tom Rádio, foi mais um “embrião” de banda que uma banda propriamente dita, mas já havia mistura de alguns ritmos como a junção de scratchs com cantigas de emboladores. Foi dessa banda que saíram bases para algumas músicas gravadas posteriormente pela Banda Chico Science & Nação Zumbi, como A Cidade e Samba do Lado. A primeira banda mesmo se formou em 1987 e tinha o nome de Orla Orbe (trecho de uma praia muito visitada pela turma de Chico). Depois da Orla Orbe veio Loustal (cujo nome era inspirado no famoso quadrinista francês Jacques de Loustal) A idéia era misturar os ritmos do soul, funk e hip hop, com rock dos anos 60 e 70. Começava assim a se formar a “Seattle do quarto mundo”.

Em 1991 Chico se funde com o bloco Afro Lamento Negro de Peixinhos (bairro periférico e super populoso de Olinda), ao se juntar com o Lamento Negro, Chico e o bloco misturam maracatu, coco de roda, caboclinho, frevo, ciranda, samba e embolada junto ao Hip Hop com rifs e solos de Guitarras de rock, numa mistura bem psicodélica e inovadora jamais vista antes. Sem duvidas, a mistura que Chico fazia era peculiar, algo diferente e atípico. Chico tirava som dos cascos das cervejas. Foi um alquimista dos ritmos, um cientista das melodias, o engenheiro responsável pelo projeto arquitetônico na construção do ritmo Mangue Beat. Seu ponto forte era misturar os diversos ritmos a melodias regionais, junto com letras que falavam de Amor, Banditismo, Messianismo e Injustiça Social. Suas influências musicais iam desde os vendedores ambulantes do Mercado Central de São José, até as festas populares e os grupos de break americano. Seus ídolos eram: James Brown, Grand Master Flash, Afrika Baambata, Jorge Ben Jor, Bezerra da Silva, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Luiz Gonzaga, Mestre Salustiano, Jackson do Pandeiro entre outros. Tais ídolos futuramente viriam a exercer um papel de suma importância para as futuras criações rítmicas de Chico.

O Apelido Chico Science foi herdado de um tio de Renato L. O tio de Renato Lins se chamava Carlos Antônio Ramos Braga e o Science “caiu como uma luva” para Chico, pois em sua cabeça existia um laboratório sonoro. Chico com seu espírito praieiro captava nas antenas da Manguetown (Recife) sons que vinham de outros pontos geográficos e ecoava nos ouvidos das Calungas e dos Caboclos de Lança dos Maracatus de Baques Virado e Solto. Isso tudo completado com Guitarras envenenadas e “hendrixmente” distorcidas por Lucio Maia. Essa mistura é o que gera esse ritmo tão contagiante, pode-se assim ser classificado como uma completa “sopa de melodias.

Desde o principio da cena, Chico propôs que seria um movimento antenado com o que estar acontecendo no mundo, familiarizado com a internet, interessado por ficção científica, quadrinhos, pinturas, teatro, preocupação com a degradação do meio ambiente, cinema, dança e música, claro. Enfim, todo tipo de arte. Porém, sem jamais perder o regionalismo reintegrando a cultura popular e o folclore ao convívio cotidiano, tornando assim a idéia de identidade do ser pernambucano ou nordestino mais forte.

Era período carnavalesco (dia de Yemanjá), começo de noite de domingo, o transito é insuportável tanto centro-orla quanto centro-bairro. O Landau de Chico (chamado carinhosamente por ele de “Papa-gasolina”) era largo e difícil de estacionar, então ele resolveu pegar emprestado o Fiat Uno branco da sua irmã Goretti e sair para a concentração do bloco carnavalesco Liga da Justiça. Na mesma noite do dia 02/02/1997, às 19:00Hs dá entrada no hospital da Restauração um corpo acidentado, batida de carro na divisa entre Olinda e Recife, mais precisamente nas imediações do shopping Tacaruna. Tem fim a vida de só mais um Francisco de Assis, porém, para a música morria Chico Science. O curioso é que próximo ao acidente havia um outdoor estampado com Morais Moreira e os dizeres “ Quer morrer, F.D.P?”. A principio corriam boatos que o fatal acidente acorrera com Chico Cesar, mas ao desenrolar dos fatos, viu-se que era Chico Science. A comoção com a morte do principal mentor da cena Mangue tomou conta não só das ruas da capital pernambucana como também de boa parte do país, chegando a repercutir mundialmente. O The New York Times (maior jornal norte americano) na edição da manhã de 05/02/1997, em três colunas escritas por John Pareles, deu destaque a fatalidade, noticiando a morte de Science com o titulo: Chico Science, 30, Estrela da Música Brasileira.

O laudo policial do acidente sofrido por Science no complexo do Salgadinho é formado por 174 páginas e constatou que ao colidir, o veiculo se encontrava a 110 km/h, limite aceitável, tendo em vista que na avenida do acidente é permitida alta velocidade, pois é uma reta longa e larga, o inquérito do respectivo acidente foi concluído em 2007, após 10 anos de sua morte. À juíza Ângela Melo, da 5ª vara cível de Olinda deu parecer favorável à família França, exames feitos no corpo não detectaram teor alcoólico, nem nenhum tipo de substancia ilícita. Portanto, ficou esclarecido que o ocorrido no desastre não foi falha humana e sim falha mecânica, pois, a parte metálica do cinto de segurança que é projetada para prender o condutor e/ou os passageiros presos ao banco falhou e se rompeu, dando fim a uma das mais brilhantes e criativas mentes que o Brasil viu. Chico sofreu traumatismo craniano, afundamento no tórax (devido ao impacto no volante) e fraturas múltiplas na face. À medida que a notícia da fatalidade se espalhou, as orquestras de Frevo de Olinda e Recife iam parando até que por fim, o carnaval naquele ano parou literalmente.

O governador da época, Miguel Arraes, decretou luto oficial por três dias. Seu velório ocorreu no Centro de Convenções onde 6.000 (seis mil) pessoas compareceram para prestar a ultima homenagem ao ídolo. Entretanto, seu sepultamento aconteceu no cemitério Santo Amaro. No caixão, coberto pela bandeira de Pernambuco, havia também um chapéu de palha e dois caranguejos. O corpo é sepultado às 17:10hs sob o som melódico de uma rabeca. 

Hoje, no Espaço Ciência (localizado de frente a colisão) existe o Manguezal Chico Science, o mesmo fica localizado no parque Memorial Arcoverde (em frente à escola Aprendiz de Marinheiro) e tem uma área de 19.169 m², o pai de Chico atualmente trabalha no local. Existe também no bairro do Recife Antigo, Rua da Moeda, uma escultura homenageando o “Mangueboy”, a escultura retrata o corpo de Science em tamanho real multicolorido, sobre um caranguejo. Pelas ruas e avenidas do Recife e Olinda vemos em vários muros, praças e viadutos. Grafites homenageando o cantor e o movimento Mangue, hoje a identidade Mangue Beat já está bem difundida e sólida em relação há 15 anos atrás.

Há contra ponto, o que se vê hoje é uma cultuação ao “mito” Chico Science, Chico se transformou em uma espécie de “Bob Marley” da América do Sul, em certas ocasiões podemos observamos um tipo de “Guevarismo” criado para enaltecer a lenda urbana surgida a partir da trajetória de vida de Chico, como se a memória de Chico Science precisasse ser equiparada a outros ícones, Science foi um Mangueboy como qualquer outro, a única diferença é que ele começou tudo isso.

Chico do fundo do rio poluído tirou da tarrafa (tipo de rede) meia dúzia de peixes que logo fizeram agitação no aquário musical recifense. Mesmo tendo a vida fisgada pelo anzol do destino, Chico deixou seu legado que é passado adiante por Jorge Du Peixe e outros “caranguejos com cérebro”.

*Hoje fazem exatos 15 anos que Science não está mais entre nós, mas ele deixou um legado de alegria, inovação e consciência em suas obras. cabe a nós não deixarmos essa história nas páginas do esquecimento. Chico Vive!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Mangue Beat: Batida Pós-Anos 90...

Devido ao falecimento de Chico Science, a banda Nação Zumbi passou um bom tempo com seus tambores silenciados, a cena existente na cidade sentiu o baque do acontecimento. Entretanto, a vida não para e além de Chico, outras pessoas tocavam a “Cultura Mangue” em frente. No ano de 1998, a Nação Zumbi resolve retomar seus trabalhos, lançando um disco duplo intitulado Dia & Noite, o 1º CD vinha com 5 (cinco) músicas inéditas, 8 (oito) faixas ao vivo (ainda com Science nos vocais) e uma regravação da música Samba Makossa, feita pela banda Planet Hemp. No ano seguinte a turma da Nação Zumbi e da Devotos resolve encabeçar um projeto cultural batizado de “Acorda Povo” (1999-2000), com incentivo do poder publico, levaram shows e disponibilizam oficinas de música, moda, reciclagem, grafite, fotografia e pintura, além de propiciarem debates sob inúmeras temáticas sociais, levando assim dignidade, informação e cidadania para bairros periféricos. Em 2002, surge a rádio Alto Falante, rádio essa de cunho comunitário e localizada no bairro carente do Auto José do pinho. Foi desse bairro periférico recifense que saíram bandas como Devotos, Faces do subúrbio e Matalamamão. Enquanto isso em Florianópolis-SC entrava em evidência uma cena musical inspirada na cena Mangue. Chamada de “Mané Beat” (Mané em alusão aos ilhéus daquela região). Fizeram parte desse novo movimento cultural as bandas: Iriê, Primavera dos Dentes, Rococó, Stonkas y Kongas, Phynky Buddha, dazanha e Tijuqueira. Somando assim 7 (sete) no total. Por lá, a notabilidade do “novo som” não chegou a muitas bocas, mas ocorreu e isso é fato. Tanto é que como trabalho final de conclusão de curso em psicologia social surge o documentário: Sete mares numa Ilha: A Mediação do Trabalho Acústico na Construção da Identidade Coletiva. Tese essa defendida por Kátia Maheirie no ano de 2001.

Em meados dos anos 90, quando a cena explodiu, A imprensa e os produtores musicais juntamente com promotores de eventos se apropriaram do gênero Mangue para consolidação de um publico alvo, os jovens de classe médio-baixa, entretanto o movimento alcançou classes sociais mais elevadas, já que segundo Marcos Napolitano “A música brasileira moderna é, em parte, o produto desta apropriação e desse encontro de classes e grupos socioculturais heterogêneos” (2002: 48). Duas revistas virtuais são criadas com a temática Mangue: Virtual Manguenius e Manguetronic.zip.net. Alguns festivais na cidade cresciam e outros surgiam (Abril Pro Rock, PE no Rock, Soul do Mangue e Rec Beat). Economicamente o Mangue Beat foi rentável para suas gravadoras, rentável a certo ponto, já que a internet se popularizou e “engoliu” todos os gêneros musicais de A a Z e praticamente resumiram  as vendagens de discos em números mínimos e nos dias atuais nos limitamos a encontrá-los nos respectivos shows, ou seja, o que vemos hoje são gravadoras quebradas e bandas cada vez mais “independentes”, que gravam, distribuem e vendem seus próprios discos.

Vejo que a sonoridade Mangue Beat ainda se encontra viva, porém não mais atuante tanto quanto seu conceito. Como é um termo abrangente (musicalmente falando), se torna muito vaga à idéia do que possa vir a ser ou não Mangue Beat. Mas, seu conceito de ecologia e ação social que se distribui nas letras das músicas, cenas do cinema ou nos materiais reciclados das esculturas, quadros e roupas, está cada vez mais vigente, diria até que tal preocupação aumentou, já que apesar da tentativa de conscientização humanitária dos Malungos, a situação não apresenta um quadro evolutivo nesses últimos anos. As pessoas e as empresas continuam despejando seus dejetos nas margens dos rios, aterrando os manguezais, explorando o economicamente mais fraco e socialmente mais carente. Apesar dos pesares, o reconhecimento da contribuição que Chico e o Mangue Beat deram para as cidades do Recife e Olinda não se resume em batismos de túneis, praças e mangues (apesar de haver) com o nome Chico Science. Em 24 de Abril de 2009 foi inaugurado na casa 21 do Pátio de São Pedro o Memorial Chico Science, o espaço consiste em três ambientes; informativo, imersivo e educativo. No primeiro, uma exposição (Imaginário Chico) e tem como curadora Maria Eduarda Belém (a “Risoflora”). Na segunda sala um tocador de MP3 que muda de música a cada movimentação dos visitantes, é uma sala interativa. O terceiro e ultimo ambiente é destinado a eventos e/ou oficinas. No local também se encontra uma pequena biblioteca, vídeos, computadores e uma discoteca virtual com a temática Mangue. O projeto custou R$ 305.000 para os cofres da prefeitura do Recife. Com o passar do tempo veio o reconhecimento por parte dos poderes públicos e finalmente em 20 de Agosto do mesmo ano (2009), o movimento Mangue Beat a partir de então, se tornou Patrimônio Cultural e Imaterial de Pernambuco. O projeto de lei foi elaborado pelo deputado Sérgio Leite (PT) e publicado no Diário Oficial do Estado.

Sendo assim, o Mangue Beat tem (oficialmente) sua contribuição para a transformação cultural da cidade e para o fomento de uma música pop local reconhecidos e respeitados. Portanto, o que podemos notar é que, a cena Mangue não apenas se fez presente nos espaços da terceira margem dos rios, locais que não se encontravam ocupados pelos feudos culturais hegemônicos, como também se fez presente nos condomínios e apartamentos dos bairros nobres. Na década de 90 o “Pop Nordestino” representado pelo Mangue Beat em Pernambuco fez ferver não só a música como também a moda, o cinema, o teatro, a fotografia e as artes plásticas em termos gerais.

Mangue Beat X Armorial

Existem algumas diferenças entre a cena Mangue e a cena Armorial. Enquanto o movimento Armorial prega uma cultura “essencialmente” nordestina através de raízes ibéricas e mouras vindas através das navegações coloniais, o Mangue Beat usa as raízes da Risophora Mangle para absorver tanto a cultura local quanto a cultura pop global, ou seja, enquanto o Armorial se preocupava em “retornar” a idade média, o Mangue Beat tem como objetivo não só o “resgate” das tradições como também a expansão psicodélica que vai do rock setentista até o que há de mais novo no mundo musico-tecnológico, como sintetizadores e pedais de efeito. A intenção do Mangue desde o principio é misturar a pluralidade dos ritmos e dos signos. “Modernizar o passado, é uma evolução musical” (Chico Science – Banditismo por uma questão de classe). Podemos notar que apesar da contemporaneidade o Armorial e o Mangue em quase nada convergem, exceto a preocupação com o campo cultural local, no caso o nordeste brasileiro e mais especificamente, a cidade do Recife.

Em encontro com Chico Science, Ariano Suassuna questionou o porquê do Science, já que Chico é um nome bem popular no nordeste e Science é um adjetivo de língua estrangeira, no caso a inglesa. Porém a implicância de Ariano durou pouco tempo, pois no desenrolar da conversa, Suassuna reconheceu a importância do Mangue Beat ao falar que se não fosse ele (o Mangue Beat) a juventude talvez nunca prestasse atenção ao Maracatu Rural. Sendo assim, podemos concluir que, apesar de contemporâneos, o Mangue Bit e o Armorial são antagônicos, pois, enquanto um prega a diversidade adicionando elementos estrangeiristas, o outro defende a idéia de monocultura cultural. Os Mangue boys, costumavam dizer que de monocultura já bastava a da cana-de-açúcar. Por outro lado, Antônio Carlos Nobrega dizia que: “O movimento Armorial deu dignidade a cultura popular nordestina”. Assim como o Mangue Beat, o Armorial se faz presente na atualidade, um dos grandes divulgadores desse segmento é o próprio Antônio Nobrega com seu teatro brincante em São Paulo, serve de incentivo para expansão da cultura Armorial e popular.

Perfil de Malungo:

Alguns elementos de identidade cultural foram instituídos para que se consolidasse a nova “tribo urbana” dos Mangue boys. Signos estes diluídos nas formas de vestir e na maneira de falar. As roupas de chita (tecido barato e florido muito comum na região nordeste) misturados, por exemplo, a tênis Adidas é um exemplo de mescla cultural. O chapéu de palha (outrora usados pelos cortadores de cana) e os colares de circuitos de computador também formam um bom exemplo de mistura entre tradição e tecnologia. As gírias também são um caso a parte. Nas “tribos urbanas”, temos como elemento de identidade cultural o vocabulário enriquecido com palavras especificas que são compreendidas e faladas apenas por aqueles do grupo em questão. Os Mangue boys dispunham do seu próprio dialeto. Entre algumas palavras as mais faladas são: Malungo, que significa companheiro; Macô, Saudação de chegada; Risoflora, moça bonita; Saúdo de Aratu, quando o sujeito se encontra com pouco dinheiro e Ficar no Caritó, quando o individuo ficava muito tempo solteiro (a).

Todos estes elementos de identidades culturais serviram para transformar sujeitos, assim como também formar opiniões. Foi graças ao jeito Malungo de ser, que os Mangue boys conseguiram atrair para a cena Mangue uma estética mercadológica, ou seja, com grifes interessadas na moda Mangue, os Caranguejos com cérebro (salvo as devidas proporções) conseguiram sair da lama e alcançar a fama. Camisas, Tênis e até cadeiras estão entre os objetos criados a partir da temática movimento Mangue Beat.
 

Mangue Bit: Outras Artes...


O movimento Mangue abriu suas “fronteiras” e não se limitou apenas ao campo da música, também influenciou as artes plásticas e o cinema local. Para isso se utilizou tanto de espaços privados como recursos públicos. Havia uma gama de possibilidades para se trabalhar com a temática Mangue, os Mangue boys abriram o “leque da criatividade” e viram que algo de novo poderia brotar do pantanoso mangue, além de miséria social como mocambos e palafitas, havia também muita fertilidade biológica e cultural, era essa área que deveria ser explorada, não no sentido de sugar, mas sim de ver e ser vista, de notar e ser notada. Vale salientar, entretanto que o Mangue Beat brasileiro (década de 90) não tem nada a ver com a Geração Beat inglesa dos anos 50. A Geração Beat é um movimento literário surgido no Reino Unido e não exerce influência notável ao Mangue Beat

Sendo o movimento Mangue espécie de “quilombo cultural”, não demorou muito para inúmeras variações artísticas se inspirarem em sua filosofia e se utilizarem de seus signos. Se musicalmente o Mangue Beat saiu do centro cultural Darué Malungo (Companheiro de guerra no dialeto Ororubá), o próprio centro e algumas comunidades periféricas como Chão de Estrelas, Peixinhos e Auto José do Pinho se “associaram” ao movimento para assim obter o objetivo a ser alcançado, tirar os jovens do ócio oferecendo-lhes atividades profissionalizantes, o que é de suma importância para comunidades que praticamente vivem sem nenhuma perspectiva de vida, onde a criminalidade “bate a porta” dia-a-dia. Dados anteriores mostrados por Josué de Castro no livro Geografia da Fome - 1946, falavam que a cidade do Recife tinha 700.000 habitantes, dos quais 230.000 viviam em mocambos (moradias precárias). Décadas depois, o censo de 2000, aponta que, dos 1.422.905 habitantes, cerca de 501.000 vivem em condições de pobreza, ou seja, 35,2% da população local. A proposta pensada pelos mentores do Mangue Beat era diminuir o ócio cultural da cidade e consequentemente fazer com que os índices de pobreza e criminalidade caíssem. Porém a triste realidade é que em relação à melhoria no campo econômico pouco se alcançou, entretanto os índices de criminalidade caíram. Existem dois motivos para explicar tal fato, o primeiro é pensar que dentro das suas limitações a Cena Mangue conseguiu chamar a atenção dos jovens para produções culturais, desviando-os assim da criminalidade, ou apenas coincidência, pois o Recife está menos violento e apesar de ser a capital nordestina mais violenta, não é mais a quarta pior cidade do mundo para se viver. Uma coisa é fato, os jovens que se influenciaram pela filosofia ‘Crustaceana’ ao invés de seguirem uma vida de crime, sentiram o estimulo fértil da lama, resolveram sair do mangue e ganhar o asfalto! Muitos escolheram a musica Mangue para (tentar) ascender economicamente e também expressar suas angustias e seus sonhos. Era “Pernambuco falando para o mundo” (expressão muito usada nesse período). O Mangue Beat difundia a idéia de que, para conhecer a cultura local era preciso se comunicar com as demais culturas e para isso se fazia necessário instalar (na lama do mangue) uma antena, como disse Fred 04 “...de baixa tecnologia e longo alcance” para só assim captar o “bom” vindo de fora e mesclar com o “bom” da Manguetown (Recife). Como cantou Chico Science, a música tinha que mudar, mas com “Pernambuco embaixo dos pés e a mente na imensidão” (Mateus Enter – Afrociberdelia, 1996).

O Movimento Mangue Bit não se limitou a música, foi além e fez se notar praticamente em todas as formas de expressões artísticas. Me deterei porém em minha analise, além da música, ao cinema, teatro e moda. Como exemplo de cinema Mangue, o chamado ‘Mangue Movie’, subdivisão do gênero cinematográfico ‘Árido Movie’, temos os películas Baile Perfumado que aborda o tema o cangaço e o banditismo da década de 40 exercido por Lampião e seu bando. O filme tem trilha sonora das bandas Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ), Mundo Livre S/A (MLSA) e Mestre Ambrósio. As canções interpretadas por CSNZ foram: Angicos, uma versão original e dois remixes, Salustiano Song e Sangue de Bairro, essas com seus fonogramas originais e duas versões. Enquanto a MLSA interpretou Harde Tango, Baile perfumado, tenente Lindalvo e a banda Mestre Ambrósio ficou com Baile Catingoso, Mamede, Chico Rural, Bejaab e Fulô do Junco, esta ultima de domínio publico. Além da participação nas gravações dos integrantes da banda Mestre Ambrósio, o filme teve como produtores musicais Chico Science, Fred 04, Lucio Maia, Siba e Paulo Rafael. Com participação em algumas canções de Stela Campos e Alceu Valença. O filme foi o primeiro longa do gênero. Logo depois veio “Amarelo Manga”. Esse, mais urbano e abordava temas da classe baixa recifense. Com trilhas da Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Otto. Nação Zumbi interpreta Acordando, a entidade, Defunkt, Dollywood, Kanibal ...E o boi deitou, Nebuloza, o fim, Gafieira na Avenida e o fonograma Tempo Amarelo. Mundo livre, a canção Lígia e Otto a canção tema do filme; Amarelo Manga. Com produção musical de Lucio Maia e Joerge du Peixe e participações de B. Negão e Apollo9, a trilha se destaca. Além de Baile Perfumado e Amarelo Manga, ao que se refere trilha sonora Mangue Beat, podemos destacar os longas: A Maquina, Narradores de Javé, O Homem que desafiou o Diabo, Árido Movie, Besouro e Deus é Brasileiro. Em alguns desses filmes, cantores ou bandas Mangues interpretam papeis dentro da trama. Há ainda os curtas Maracatus, Maracatus (Marcelo Gomes), That’s A Lero-Lero (Stepple e Lirio Ferreira) Texas Hotel (Cláudio Assis), A Perna Cabiluda (Beto Normal, Gil Vicente, Marcelo Gomes e João Junior), O Mundo é uma Cabeça (Bidu Queiroz e Cláudio Barroso). Como podemos notar, a produção audiovisual pós Mangue iam de vento em poupa. Certa vez o cineasta Walter Sales Junior ressaltou que “O Mangue Beat foi à coisa mais importante que aconteceu na música popular brasileira”. E pelo o que vimos até agora, não só para a música em si, como também para várias outras expressões artísticas.

No campo teatral, como destaque Mangue temos três espetáculos: O Príncipe das marés, com figurino de Eduardo Ferreira. O espetáculo Pata aqui, pata acolá  (2000), adaptado do livro de Edmilson Lima por Sidney Cruz e dirigido por José Manoel, tem como tema uma Família de caranguejos e seus conflitos com o bicho homem. Por ultimo destaco o espetáculo de dança Zambu, com coreografias de Sonalye e Mônica Lira. Na moda temos em destaque o estilista Eduardo Ferreira e a grife Período Fértil, dos artistas Clezinho Santos e Maria Lima. Não deixando de citar os fotógrafos Mangue Fred Jordão, Roberta Guimarães e Breno Laprovitera, e, o escultor Evêncio Vasconcelos.

Mangue Beat: A Filosofia Crustaceana...

As doses que beberam de regionalismo, os mangue boys beberam o equivalente da world music. Baseados principalmente na filosofia punk do Do it yourself  (faça você mesmo), originalmente criada por Malcolm Maclaren (musico, compositor e empresário da banda Sex Pistols). A atitude punk representou um avanço ideológico para aqueles jovens da periferia, pois, seguindo a filosofia punk inglesa, eles poderiam fazer música de qualidade com poucos recursos. Bastavam alguns requisitos básicos como instrumentos baratos, criatividade e atitude. Foi com o slogan do “faça você mesmo” que os mangue boys saíram da lama e fincaram suas antenas para fora do Brasil.

Se de fora, os futuros mangue boys se inspiravam no punk inglês e no funk americano. Aqui no Brasil a banda que mais contribuiu para a formação musical de Chico Science, Fred 04 e Companhia foram os Mutantes com seu rock psicodélico e debochado (atitude incomum em meados dos anos 70 e começo da década de 80).

É seguindo os passos de Jimi Hendrix e baseado no rock’n roll setentista que Lúcio Maia (guitarrista da Nação Zumbi) faz seus arranjos até hoje, usando efeitos de pedais distorcidos ao extremo. Porém, o representante maior do rock’n roll entre os mangue boys, sem duvida é Fred 04. Antes de fundar a Mundo Livre S/A, integrou bandas punks como Trapaça, Serviço Sujo e Câmbio Negro HC11.

“A gente agiu à maneira de Malcom Maclarem. Vimos que ali havia elementos para criarmos uma cena particular. Então bolamos gírias, visual, manifesto. Quase todas as musicas que fizemos depois disto continuam palavras extraídas dos manifestos” (Fred 04 apud TELES, 2000: 274).

Fred é ex-punk e apesar de predominar em suas canções o ritmo “samba”, em suas letras podemos notar que as mesmas contém uma linhagem punk, abordando temas sociais e de caráter oposicionista, ou seja, Fred 04 é um sambista compositor de letras punks, e é essa mistura que o coloca na cena Mangue.

Jorge Cabeleira e Devotos do Ódio (bandas etiquetadas na cena Mangue da época) tinham um caráter mais agressivo musicalmente falando. A Devotos do Ódio tocava punk rock enquanto a Jorge Cabeleira tocava uma espécie de rock e baião conhecido como “rock regional”.

Seja punk inglês, funk americano ou até rock nacional, os mentores do movimento Mangue Beat não se inspiraram só nos ritmos regionais como maracatu, coco, ciranda e baião, mas também captaram o punk e o rock’n roll. Sem essa mistura de influencias, o Mangue Beat talvez nem existisse, pois, é característica principal da cena o hibridismo cultural.